A disparada nos preços do petróleo e do gás no mercado internacional, em meio aos ataques da Rússia à Ucrânia, pode ter efeitos nos preços de energia no Brasil. Segundo especialistas ouvidos pela MegaWhat, o reflexo, contudo, deve ser limitado por conta do cenário hidrológico favorável enfrentado no país neste início de 2022, que reduziu o despacho de termelétricas e, com isso, pode evitar reajustes mais expressivos nos contratos das usinas movidas a combustíveis fósseis.
Desde o início de 2022, os contratos do petróleo tipo Brent acumulam alta de mais de 38%, negociados, na tarde desta segunda-feira, 14 de março, a US$ 106,50 o barril. A referência do gás no Henry Hub, por sua vez, acumula alta de 23,6%, a US$ 4,61 por milhão de BTU. As altas mais acentuadas foram registradas depois do início nos conflitos da Ucrânia, principalmente depois que as potências ocidentais, inclusive os Estados Unidos, anunciaram planos de reduzir e até mesmo eliminar as importações de petróleo e gás da Rússia. O país é atualmente um dos maiores fornecedores do mundo das commodities, sendo que o gás é fundamental para que os países europeus possam enfrentar os meses de inverno mais rigorosos.
Com as limitações de uso dos insumos produzidos na Rússia, o mercado se viu em um momento de escassez de oferta, levando os preços a intensa volatilidade. No Brasil, o efeito vem por meio do aumento dos preços de combustíveis, mas também pode haver contaminação na conta de luz, uma vez que o parque termelétrico do país é em grande parte movido a gás natural. Segundo Lucas Frangiosi, analista setorial da MegaWhat, além da inflação, muitos contratos de fornecimento de gás para termelétricas no Brasil são indexados a indicadores como Brent e Henry Hub, até mesmo na parcela fixa das usinas contratadas por disponibilidade – sem obrigação de entrega, e sim de disponibilidade.
“O aumento do preço do gás pode fazer com que os investidores iniciem processo de alteração do CVU [Custo Variável Unitário] na Aneel”, explicou Frangiosi. Caso o regulador aprove as alterações nos custos das usinas, elas serão deslocadas para patamares mais elevados na pilha de despacho por preço. Segundo Frangiosi, isso pode alterar o PLD e a cadeia de valores do setor elétrico. Se for necessário despachar essas térmicas com CVU reajustado, a diferença pode ser refletida em mais encargos na conta de luz.
Para termelétricas privadas movidas a gás natural liquefeito (GNL), como a Porto do Sergipe ou Porto do Açu, o repasse à tarifa é ainda mais importante, já que elas compram o insumo de fornecedores internacionais com preços indexados a esses índices. “Se o GNL subir, ele é repassado na tarifa”, disse Pedro Rodrigues, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e fundador do Canal Manual do Brasil.
A volatilidade nos preços é prejudicial pois o mercado fica sem referências, explicou Rivaldo Moreira Neto, presidente da Gas Energy. “Essas termelétricas não pagam o preço spot [de curto prazo], que é o que estamos vendo disparar”, disse, completando que, como as usinas mais caras não estão despachadas atualmente, o reflexo nos preços de energia é limitado. “Na nossa visão, não terá o efeito de transformar o preço da energia elétrica no Brasil”, disse.
Os contratos de gás são, em grande parte, bilaterais, e os repasses de custos pelos fornecedores só devem se tornar públicos caso as usinas solicitem no regulador o reajuste do CVU das termelétricas do sistema. Já os preços de combustíveis sofreram grande elevação na última semana, depois que a Petrobras, principal fornecedora do país, anunciou reajustes de cerca de 20% para a gasolina, 25% para o diesel, e 56% para o gás liquefeito de petróleo (GLP, o gás de cozinha).
Na ocasião, a estatal justificou que o aumento dos preços ajudaria a evitar desabastecimento no país, já que o preço defasado em relação aos patamares internacionais do petróleo inviabilizava que importadores privados trouxessem o combustível para o país, e o parque nacional de refino não é suficiente para suprir a demanda.
GNL escasso no mercado
Enquanto há oferta de combustível para ser importado do exterior, o mesmo não se pode dizer de GNL, já que grande parte da oferta internacional está sendo desviada para a Europa para cobrir as importações da Rússia. “Com o pico de preço, já tinha muito redirecionamento de cargas de GNL para outros mercados, que pagavam valores maiores que o contratado aqui”, explicou Livia Amorim, sócia da área de Energia do Souto Correa Advogados.
“É uma dificuldade conseguir oferta. Agora, não só temos aumento de preços, que pioram a dor do lado comercial, como há uma questão humanitária de direcionamento político de governos pra que as cargas sejam direcionadas à Europa, que é muito dependente do gás russo”, disse Amorim.
Para alguns agentes, o cenário tem sido favorável, já que pode compensar revender a carga assegurada de GNL a um preço mais elevado e, no lugar de entregar a energia no Brasil, pagar o equivalente à exposição em PLD, que se encontra no piso, devido à sobreoferta de energia no momento hidrológico favorável.
Para outros, os pleitos de reajuste do CVU junto à Aneel já acontecem. A MegaWhat apurou que a turca Karadeniz Powership, que venceu o leilão emergencial de reserva de 2021 com 560 MW em termelétricas flutuantes que devem entrar em operação em maio, já solicitou ao regulador a readequação do projeto, a fim de incorporar o aumento do custo do GNL que será utilizado na geração da energia. Cenários semelhantes valem para outros vencedores do certame, que não tinham como prever, em outubro do ano passado, o salto que os custos do gás dariam em 2022.
Usinas a diesel
Uma última forma de contágio da crise atual nos preços de energia elétrica pode se dar por meio das termelétricas a diesel e óleo combustível, presentes principalmente nos sistemas isolados. Empresas como a Roraima Energia e a Amazonas Energia, que pagam o custo da geração de energia com repasses da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), encargo setorial pago por todos os consumidores, já solicitaram ao regulador o reembolso dos custos.
A CCC fica dentro da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), e tem as contribuições recolhidas mensalmente junto aos consumidores cativos e livres.