Enquanto muitos geradores de energia enfrentam dificuldades para conseguir autorização para conectar data centers no Sistema Interligado Nacional (SIN), a Renova Energia decidiu aproveitar a infraestrutura do Complexo Eólico Alto Sertão III, na Bahia, para acelerar o processo e desenvolver a sua própria “solução tecnológica” para grandes consumidores de energia elétrica.
O projeto envolve mais que a venda da energia elétrica, com a oferta da infraestrutura digital completa, conectando a carga diretamente na subestação do complexo eólico. O data center funciona como uma bateria conectada na geração, com potencial para zerar o curtailment do ativo, explicou Sergio Brasil, CEO da companhia, em entrevista à MegaWhat.
“A nossa solução é melhor que a bateria, porque estamos trazendo o consumo para uma área que não tem consumo relevante, vamos beneficiar a região como um todo”, disse Brasil. “Não estamos vendendo só a energia, mas toda a infraestrutura digital. Estou dando uma solução de conexão, não vou cobrar pelo megawatt, mas sim pela infraestrutura completa”, explicou.
Três problemas, uma solução
A Renova desenvolveu a solução para resolver três problemas fundamentais que a empresa enfrentava no mercado de energia, ao mesmo tempo em que concluía sua saída da recuperação judicial, iniciada em 2019 e finalizada apenas em fevereiro deste ano.
“Nós precisávamos arrumar uma solução para o curtailment. Não a solução que está sendo criada e que apoiamos, que é o ressarcimento. A gente não queria ser cortado”, explicou Sandro Yamamoto, diretor de Novos Negócios, Regulação e Relações Institucionais da Renova.
O segundo desafio era a competitividade no mercado livre, diante de outros players de maior porte e com mais capacidade de geração e de mobilizar investimentos. O terceiro problema era a falta de leilões de energia, que limitava as oportunidades de crescimento da empresa.
“Nós precisávamos ser muito mais criativos, muito mais rápidos que os nossos concorrentes e que o próprio mercado global mesmo”, afirmou Yamamoto. A solução encontrada foi “buscar um processo de acesso à rede muito mais rápido, reduzindo dois anos para entre três a quatro meses”.
Para resolver esses desafios, a inovação da Renova foi conectar o data center diretamente na mesma subestação onde gera energia eólica. “Nosso complexo eólico está aqui, pegando cinco municípios e temos quatro grandes subestações. Então, aqui, onde eu gero, do lado eu já coloco o grande datacenter”, explicou Yamamoto.
Quando há ordem de curtailment do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a energia que seria cortada é direcionada para o data center. O sistema funciona de forma bidirecional. “O ‘hora a hora’ nunca vai bater. Se nós gerarmos mais, vamos injetar mais na rede. Se não tiver vento, vamos puxar da rede”, explicou Yamamoto. Para isso, a empresa desenvolveu uma estratégia de comercialização para fechar o balanço energético “ao longo do dia, semana, mês e ano”.
Com o mecanismo, a Renova conseguiu dispensa da necessidade de portaria autorizando as conexões pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e assinou com o ONS os Contratos de Uso do Sistema de Transmissão (Custs) no montante de uso total de 81 MW. A previsão é que o empreendimento entre em operação já em dezembro deste ano.
O projeto aproveitou a infraestrutura já existente do Alto Sertão III, que tem 432,7 MW de potência instalada operacional, mas foi construída considerando a Fase B do empreendimento, que teria mais 300 MW de potência e teve a outorga revogada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Os executivos da companhia passaram o último ano e meio elaborando a solução, e conseguiram o parecer de acesso do ONS em 25 dias, enquanto em outros pontos de conexão as cargas aguardam anos até ter aval do operador, pela necessidade de reforços e melhorias na rede.
Infraestrutura digital completa
O diferencial da solução vai além da energia elétrica. A empresa oferece o que chama de “infraestrutura digital completa”, que inclui desde aspectos fundiários e ambientais até a conectividade de fibra óptica. “Tem fundiário, ambiental, trabalho social, aí é regulação, engenharia, segurança patrimonial, conectividade”, listou Sandro Yamamoto.
“Não estamos falando de uma venda de energia, e sim de uma venda de um produto, que tem também a energia”, disse Sergio Brasil. A estratégia cria fidelização do cliente. “No nosso caso, a gente cria primeiro uma fidelidade muito grande. O relógio é meu. Não é dele. Meu contrato é com ele, mas o relógio é meu. Então, eu sou dono de energia e da conexão”, explicou o CEO da Renova.
Segundo Yamamoto, trata-se de uma solução melhor que os sistemas de armazenamento tradicionais. “Não digo que é mais barato, mas ela é melhor do ponto de vista global, porque a bateria guarda a energia que eu gerei, e depois ela devolve o que eu gerei mesmo”, comparou.
Expectativa: zerar curtailment
A empresa tem uma expectativa ambiciosa para os resultados. “A nossa expectativa é zerar o curtailment“, afirmou Brasil. Isso deve acontecer com novos contratos semelhantes aproveitando toda a infraestrutura de Alto Sertão III, mesmo que a geração de energia elétrica seja contratada com outras empresas.
A Renova planeja replicar o modelo para outros projetos. “Essa é uma estratégia que a gente vai replicar para todos os nossos novos empreendimentos”, disse Sérgio Brasil. A empresa também está aberta a parcerias com outros geradores. “A gente trabalha em duas frentes. Tanto em ampliar a nossa base de clientes para a utilização dessa nossa infraestrutura digital e também conversas com outros geradores na intenção de termos mais energia.”
Nesta semana, a Renova informou ao mercado que celebrou um memorando de entendimento com a European Energy para potencial aquisição de 149,6 MW em capacidade a serem gerados pelas usinas Boa Hora 4 a 8, projeto em Pernambuco. Se o negócio avançar, a European Energy será responsável pelos investimentos no complexo solar fotovoltaico, e a Renova entrará com os PPAs originados na sua unidade de negócios de infraestrutura digital.
Ou seja, será uma intermediária na contratação da energia elétrica renovável a ser usada pelo data center que será instalado na sua subestação, na Bahia. O objetivo é proporcionar aumento de sua capacidade e expansão da unidade de negócios de infraestrutura digital, para atendimento da demanda crescente em setores de alta complexidade energética, como data centers.
A companhia também obteve nessa semana aval do MME para acesso à rede básica da conexão do data center Satoshi I_B, localizado no município de Igaporã, estado da Bahia. O acesso ainda depende de parecer do ONS e de autorização da Aneel, e faz parte da estratégia da Renova para obter aval para a conexão de consumidores que excedam os 430 MW instalados no local.