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Enquanto a diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) discutia a forma processual para aprimorar as regras do curtailment e do ressarcimento aos geradores renováveis na manhã desta terça-feira, 18 de fevereiro, a Elera Renováveis, controlada da Brookfield, obteve uma decisão judicial favorável em relação aos cortes de geração do Complexo Alex, de 278 MW, localizado no Ceará.
A decisão do juiz federal Manoel Pedro Martins de Castro Filho da 6ª Vara Federal Cível da Sessão Judiciária do Distrito Federal suspendeu uma redução de mais de 30% da receita do parque solar fotovoltaico garantida por contratos de comercialização de energia no ambiente regulado (CCEARs), até que a Aneel conclua a Consulta Pública 45/2019 – atualmente com a terceira fase ainda aberta para recebimento de contribuições – ou até que a agência decida sobre um questionamento feito pela geradora em agosto do ano passado, quando pediu mais informações sobre a forma como o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) classifica os eventos de corte de geração.
No documento apresentado ao juízo, a Elera disse que foi “surpreendida” em 31 de janeiro com uma comunicação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) sobre a cobrança de um ressarcimento por desvio negativo da geração, nos termos dos contratos, que atribuem ao vendedor a obrigação de entrega da energia, mesmo que a geração tenha sido cortada por motivos externos.
No caso de não geração da totalidade da energia vendida, é acionada uma clausula do contrato que prevê que o ressarcimento, pelo gerador, será calculado ao fim de cada ano, lançado em parcela única no primeiro ciclo de faturamento subsequente ao cálculo. No caso do Complexo Alex, a data seria 20 de fevereiro, quando haveria a cobrança de R$ 46 milhões, não fosse a liminar concedida hoje.
A redução de receita, segundo a Elera, equivaleria à quase quatro meses de geração do empreendimento.
O problema, diz a petição, é que os cálculos da CCEE consideram as restrições de geração impostas pelo ONS, mas a empresa ainda aguarda que a Aneel decida sobre um pedido feito há seis meses sobre a reclassificação dos cortes, por discordar dos enquadramentos feitos pelo operador.
Antes de ir à Justiça, a Elera apresentou um pedido de medida cautelar à Aneel para suspender a cláusula do ressarcimento dos CCEARs até a agência chegar numa solução definitiva sobre o tema, mas pela proximidade da data da cobrança, decidiu apresentar o pedido em 12 de fevereiro.
“A única receita recebida pelas impetrantes é a receita oriunda dos CCEARs. As impetrantes terão sua receita drasticamente deduzida por restrições de geração que não tiveram culpa e cujas classificações estão pendentes de análise pela Aneel desde agosto de 2024”, diz a inicial do processo, assinada pelo escritório Lefosse Advogados.
Classificação dos cortes e ressarcimento
Os cortes de geração renovável foram regulamentados pela Resolução Normativa 1.030, de 2022, alterada posteriormente pela Resolução Normativa 1.073, em 2023, que determinou a classificação das restrições de geração solar fotovoltaica em três categorias: indisponibilidade externa, atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica, e energética.
Apenas no caso de indisponibilidade externa, caso de problemas em linhas de transmissão, por exemplo, existe ressarcimento da energia não gerada, desde que ultrapassem as franquias horárias definidas em norma. A lógica por trás da regra é que o gerador só receba pela energia gerada, ou em casos que o corte não é sua responsabilidade. Os empreendedores, porém, questionam as regras e até mesmo a transparência do ONS na hora de classificar os cortes.
Em contratos de comercialização no mercado regulado, as empresas são penalizadas pelos cortes por meio da penalidade na receita no ano seguinte, mas a Aneel suspendeu essas glosas em 2019 para a fonte eólica, enquanto para a solar fotovoltaica os cortes de receita continuam acontecendo, motivando ainda um questionamento sobre a isonomia das regras.
Na ocasião, a agência reguladora suspendeu as cobranças para finalizar a regulamentação do curtailment e do ressarcimento aos agentes, até que normas permanentes fossem aplicadas.
Segundo a Elera, essa determinação é uma “prova cabal do reconhecimento, pelas entidades reguladoras, de que os temas envolvendo o curtailment e os critérios operativos para redução ou limitação de geração carecem de tratamento definitivo e que a aplicação de regras contratuais que representem um prejuízo aos agentes somente pode ser feita após a efetiva definição da questão”.
Procurados, a Elera Renováveis e o Lefosse Advogados disseram que não iria comentar a decisão. A Aneel, por sua vez, informou que ainda não foi notificada sobre a liminar.
O futuro do curtailment
Diferentemente de outras liminares pleiteadas por geradores sobre o curtailment, a Elera não tratou do mérito da regra, e sim de uma cobrança de curto prazo antes que o mérito seja resolvido e a Aneel avance na discussão do aprimoramento das regras dos cortes de renováveis.
A judicialização do tema não é novidade, e ganhou força em 2023, depois que o ONS reduziu os limites de exportação de energia do Nordeste ao Sudeste, numa operação mais conservadora depois que problemas ligados à renováveis levaram a um apagão em 15 de agosto.
As restrições de geração ficaram mais intensas e os geradores foram à Justiça questionar a regulamentação do tema, liderados a principio pela Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica) e pela Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar).
Os geradores conseguiram o direito ao ressarcimento da totalidade dos cortes por duas ocasiões, em dezembro de 2023, em primeira instancia, e em dezembro de 2024, no Tribunal Federal Regional da 1ª Região (TRF1), mas em janeiro deste ano a presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) derrubou a decisão, alegando que um custo bilionário poderia ser repassado aos consumidores sem uma análise de mérito do processo.
Os efeitos das regras sobre os cortes são distintos nos geradores, dependendo da localização, da fonte, e ainda do tipo de contrato. No âmbito regulatório, a Aneel vai receber contribuições na terceira fase da CP 45 até 25 de fevereiro, para então decidir sobre uma mudança nas regras sobre os cortes, com a instituição de uma espécie de condomínio entre os geradores renováveis. O aprimoramento nos critérios de ressarcimento aos agentes, contudo, deve ser discutido em outro momento, seguindo os ritos regulatórios.
Em paralelo, o governo está trabalhando, com participação da Aneel e dos geradores, na criação de um grupo de trabalho para discutir melhorias nas regras. O desafio é encontrar como ressarcir os geradores sem transferir indevidamente cobranças aos consumidores.