A recém-aprovada regulamentação da Lei 14.300/2022, referente ao marco legal da micro e minigeração distribuída (MMGD), vai trazer mais estabilidade e previsibilidade ao setor de geração a energia solar, apesar de um impacto na rentabilidade dos projetos, de acordo com especialistas ouvidos pela MegaWhat. Na opinião deles, apesar do fim da isenção de cobrança pelo uso da rede de distribuição para os novos projetos, estes ainda possuem rentabilidade elevada. Outra tendência para o setor, apontam eles, é a expectativa de consolidação desse mercado nos próximos anos.
“O setor vai continuar aquecido. Vamos crescer este ano. A [lei] 14.300 traz estabilidade e segurança jurídica”, disse o gerente geral executivo da Renovigi, Guilherme Costa. “Acreditamos que haverá consolidação [do mercado] no futuro”.
De olho no cenário de crescimento e potencial consolidação do mercado, a Renovigi está apostando em uma linha própria de módulos, para assegurar o suprimento e a qualidade do produto. A companhia lança neste mês a marca própria de painel fotovoltaico. “Cerca de 70% do custo está no módulo. Nada mais justo do que colocarmos a nossa marca [nele]”, diz Costa. A empresa mantém uma equipe de cerca de 50 profissionais no escritório do grupo na Ásia, responsáveis pela auditoria nas fábricas parceiras e inspeção dos lotes produzidos.
Segundo o executivo, a estratégia amplia a competitividade da empresa ao assegurar o fornecimento dos equipamentos, além de atestar a qualidade da matéria-prima. “Há um ganho tanto de qualidade quanto na segurança no fornecimento”, conta Costa.
Neste mês, a empresa também iniciou a operação do centro de distribuição de geradores de energia solar em Jaboatão do Guararapes (PE). Esta é a terceira unidade da Renovigi. As outras duas estão localizadas em Navegantes (SC) e Louveira (SP). A distribuição geográfica das unidades, explica Costa, proporciona um ganho na entrega dos produtos aos clientes e minimiza o risco de danos nas peças durante o transporte.
Investimentos
No mesmo sentido, a Brasil Solar e a OBB Capital enxergam cenário promissor, com a regulamentação do marco legal da MMGD e a possibilidade de consolidação do mercado. A companhia e a gestora estão captando recursos para um fundo de investimentos previsto para ser lançado entre o fim de março e o início de abril, destinado à construção de usinas solares na modalidade de geração distribuída (GD).
A captação do fundo está em andamento, com o objetivo de levantar até R$ 400 milhões para o desenvolvimento das usinas, de acordo como regulamento do fundo. O retorno alvo do fundo é uma remuneração líquida de IPCA + 14% a IPCA + 16%. O início de operação das primeiras usinas está previsto para o segundo semestre de 2023.
Segundo André Caminada, sócio da OBB Capital e um dos gestores do fundo solar, o fundo será formado por SPEs (sociedades de propósito específico). A Brasil Solar terá 10% de participação nas SPEs. Os 90% restantes serão pertencentes ao fundo.
“O que temos visto, e já tivemos algumas conversas com alguns investidores, é que, mesmo nesse novo cenário [da regulamentação do marco legal], há investidores e até grandes fundos interessados em investimento verde, em ESG, em fazer parte dessa mudança”, disse Rafael D’Angelo, diretor da Brasil Solar.
“Acreditamos que, daqui a alguns anos, o mercado vai se consolidar de forma mais intensa”, disse Matheus Ascoli, head de fundos da OBB Capital.
Mercado aquecido
Marcio Takata, diretor da consultoria Greener, porém, não acredita que o processo de consolidação ocorra em curto prazo. “Vemos um apetite muito grande de estruturadores em ganhar mais escala… [mas] vemos uma certa pulverização também. Se vai ocorrer um processo de consolidação no futuro… o que estamos percebendo é um ganho importante de participação das gestoras de energia, que fazem a intermediação entre o consumidor final e o gerador de energia”, afirmou ele, em webinário para comentar a regulamentação da Lei 14.300/2021, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Segundo o diretor, os efeitos da regulamentação serão diferentes para a micro e a minigeração distribuída. No caso da microGD, por exemplo, considerando uma usina de 8 kW, o prazo de retorno do investimento (payback) dos projetos sai de uma faixa de 3,08 a 4,83 anos, dependendo do estado, para uma banda de 3,33 para 5,08 anos. “Vemos um impacto marginal na atratividade desses projetos”, disse.
No caso da miniGD, porém, o efeito é mais significativo. Em um exercício considerando uma usina de 1 MW, a taxa interna de retorno (TIR) sairia de uma faixa de 10,3% a 18,4% ao ano para uma banda entre 1,3% a 15,4% ao ano, também dependendo do estado em que o projeto esteja localizado.
Por outro lado, Takata continua otimista com o setor. Um dos motivos é a tendência de queda de custos. O preço médio de um sistema fotovoltaico de 4 kWp (incluindo os preços do kit e da integração), por exemplo, passou de R$ 5,16/Wp, em janeiro de 2022 para R$ 4,88/Wp em junho do mesmo ano. “A tendência deverá ser mantida de redução do preço de equipamentos fotovoltaicos, o que pode contribuir para a redução de preços para o consumidor final”.
Além disso, o diretor da Greener entende que a agenda do novo governo indica um posicionamento mais forte sobre temas ligados à transição energética e à descarbonização.
Amadurecimento
Para a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a regulamentação do marco legal da MMGD traz avanços importantes, mas ainda existem pontos legais a serem ajustados. De qualquer forma, na visão da entidade, a agência elétrica tratou adequadamente do ponto mais crítico considerado pela associação, que seria a cobrança de taxas em duplicidade sobre os pequenos consumidores que geram a própria energia.
“Houve, portanto, avanços importantes em relação ao que tinha sido proposto pelas áreas técnicas da Aneel, sobretudo a eliminação da cobrança em duplicidade do custo de disponibilidade e da chamada TUSD Fio B, encargo pelo uso da rede, o que afastou o risco de inviabilizar a geração própria de energia solar para a sociedade brasileira”, diz Bárbara Rubim, vice-presidente de GD da Absolar.
De acordo com a associação, o Brasil ultrapassou este mês a marca de 25 GW de potência instalada da fonte solar fotovoltaica. Desse total, 17,2 GW são relativos a GD. “O Brasil possui um dos melhores recursos solares do planeta, o que abre uma enorme possibilidade para a produção do hidrogênio verde mais barato do mundo”, afirma Ronaldo Koloszuk, presidente do conselho de administração da Absolar.
O mercado amadurecido proporciona novos modelos de negócio. A consultoria Clean Energy Latin America (Cela) e a francesa Helexia lançaram plataforma eletrônica para auxiliar na avaliação da viabilidade financeira e na tomada de decisão de investimento em projetos de GD.