Nome conhecido no setor elétrico brasileiro, o jornalista Rodrigo Ferreira assumiu em janeiro a presidência executiva da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), com uma agenda baseada na abertura e segurança do mercado livre e no aperfeiçoamento do modelo de formação de preços no Brasil. Ele, no entanto, acrescenta uma meta pessoal: aproximar o complexo assunto energia elétrica à sociedade. “Sobretudo se a abertura se viabilizar, teremos esse desafio de aproximar o mundo da energia para a sociedade”, afirmou.
Nascido e criado no setor elétrico – o executivo é filho de Celso Ferreira, engenheiro eletricista com longa e reconhecida carreira na Eletrobras – Rodrigo notabilizou-se pela fundação do Canal Energia, empresa de jornalismo, eventos e treinamento especializada em energia elétrica, da qual esteve à frente entre 2000 e 2020.
Em entrevista à MegaWhat, Ferreira comenta sobre os principais temas em discussão no mercado hoje, como o projeto de lei 414/2021, da modernização do setor, que ele espera que seja votado a partir da próxima semana, e defende que o tema energia elétrica seja amplamente discutido pelos presidenciáveis nas eleições deste ano. “O mercado livre precisa estar na pauta de discussão das eleições, porque ele tem condições de dar um choque de eficiência no mercado. E os candidatos precisam se posicionar sobre as suas visões de transição energética, o papel das renováveis e o papel do consumidor”, disse.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
MegaWhat – O que esperar do PL 414/2021? Há expectativa de que o texto volte ao Senado?
Rodrigo Ferreira – Tem que voltar para o Senado. No Senado, eles [senadores] têm duas opções. Ou aprovar as diferenças que forem colocadas na Câmara ou rejeitar e manter o texto original.
MW – Considerando que haverá eleições no segundo semestre e a possibilidade de volta do texto para o Senado, esse prazo para a aprovação do projeto te preocupa?
RF – Preocupa. Até agora se falava [em votar] em março. Falou-se em início de abril e agora está se falando [de votar] na volta da semana santa. Mas, ao mesmo tempo que [o prazo] preocupa, nossas andanças no Congresso mostram que o assunto já está bem adiantado. É um ponto meio que pacífico na Câmara. E, como o governo tem interesse no projeto e como a bancada do governo se fortaleceu no término da janela partidária, temos ouvido que de fato essa matéria do PL 414 deve ser votada na volta da semana santa.
MW – Além da abertura do mercado, que outros pontos despertam a atenção no PL 414?
RF – É um projeto de modernização, que avança em várias frentes. A abertura, para nós, é um ponto clássico. Acho que estamos evoluindo para uma redação que encaminhe estudos para a verificação da adequabilidade para a formação do preço por oferta no Brasil, e não uma determinação. E uma licitação internacional para os modelos também é uma novidade interessante. Revisitar este assunto é válido. A Cpamp está implementando algumas mudanças. O objetivo é reduzir o despacho termelétrico fora da ordem de mérito. Nós concordamos com o objetivo. Mas a forma com que está se atingindo esse objetivo não é a ideal. Parece que há limitações no modelo.
MW – Em que consiste o recente estudo da Abraceel sobre a abertura do mercado?
RF – Existe essa narrativa de que não podemos abrir o mercado deixando um custo alto para quem permanece no [mercado] cativo. E a Abraceel concorda com isso. Mas vamos ver essa janela de oportunidade que temos pela frente com [a amortização do financiamento de] Itaipu, [a privatização e descotização da energia da] Eletrobras e o encerramento de contratos térmicos, e ver se isso aconteceria? O banco de dados que usamos para isso foi o da TR Soluções, da Thymos e da PSR. E chegamos à conclusão que, com o PLD futuro, nós conseguimos enxergar hoje que não haveria esse encargo de sobrecontratação involuntária. Na maioria dos anos, em média, até 2035, esse custo seria de R$ 0,05 por megawatt-hora (MWh) para todos os consumidores. E, se a Cpamp evoluir para tirar o despacho térmico fora da ordem de mérito, a expectativa é que o PLD aumente. Aí pode virar um benefício para o consumidor [cativo]
MW – Quais são os principais temas da agenda da Abraceel na sua gestão?
RF – A agenda da Abraceel é definida todo ano nas reuniões de planejamento estratégico, feito pelo colegiado, pela assembleia. Todos os associados participam. E ela [assembleia] indicou três bandeiras: abertura de mercado, aperfeiçoamento da segurança de mercado e aperfeiçoamento da formação de preços por modelo. E, independente do planejamento estratégico, eu tenho quatro focos que gostaria de desenvolver na associação. Um deles é aumentar o engajamento do associado. A Abraceel tem um engajamento diferenciado, mas ainda assim dá para melhorar o engajamento do associado. Outro é organizar um relacionamento com as entidades setoriais, outras associações e com a governança do mercado de forma estruturada, criando agenda, cronogramas de trabalho, para que possamos, ao final de uma cooperação, ter entregas efetivas. E o terceiro é criar um intercâmbio da Abraceel com entidades setoriais em outros lugares do mundo, trazer para o Brasil um pouco da visão internacional. E uma quarta vertente que permeia um motivo importante para eu ter vindo para cá [Abraceel] é, de alguma forma, aproximar o assunto energia elétrica da sociedade. Sobretudo se a abertura se viabilizar, teremos esse desafio de aproximar o mundo da energia para a sociedade.
MW – Como você vê a discussão na Aneel em relação à agenda que você descreveu?
RF – Há, basicamente, na Aneel três processos. Um que seria relacionado aos critérios de entrada e manutenção das comercializadoras [este processo foi aprovado pela diretoria da Aneel na última terça-feira, 12 de abril]. Há outros dois processos, que é o monitoramento da alavancagem e o de garantias financeiras para o mercado de curto prazo. A Abraceel tem uma visão muito clara de que antes de estabelecer garantias para o mercado de curto prazo, é importante se estabelecer parâmetros de alavancagem. Achamos que o ganho de liquidez deve ser superior ao custo. Quando você tem garantias, você espera ter mais liquidez. Mas o ganho tem que ser maior do que o custo.
MW – Vamos entrar em um novo processo eleitoral. O que a Abraceel espera do debate? O que precisa estar no programa dos candidatos e no próximo governo?
RF – Esperamos que a energia elétrica seja amplamente discutida no debate eleitoral. A conta de energia no Brasil já passou do limite. O governo precisa endereçar este tema. Precisamos discutir o tema de energia elétrica de forma madura. E achamos que o mercado livre precisa estar na pauta de discussão das eleições, porque o mercado livre tem, de fato, condições de dar um choque de eficiência no mercado de energia elétrica. Outro motivo é que o mundo está discutindo energia elétrica. A transição energética é um fenômeno que está acontecendo no mundo inteiro, inclusive no Brasil. Então os candidatos precisam se posicionar sobre as suas visões de transição energética, o papel das renováveis e o papel do consumidor, qual tipo de poder o consumidor tem que ter nesse mercado de transição energética e como vamos garantir segurança para o abastecimento dentro de um cenário de transição energética e crescimento da geração distribuída. Há uma série de discussões que precisam fazer parte dessa agenda eleitoral, porque a pauta do Brasil é urgente e porque também é uma pauta mundial. O que esperamos é que qualquer governo que seja eleito tenha um compromisso de colocar o Brasil dentro de um conceito de primeiro nível internacional, que a nossa transição energética esteja em linha com as transições mais avançadas do mundo, porque essa é a nossa vocação. Temos tudo aqui.