O sexto dia útil de novembro foi agitado no mercado de energia, enquanto ainda pairavam dúvidas sobre um potencial grande calote por uma comercializadora em apuros, com risco de efeitos em cascata significativos. Os esforços da Gold Energia das duas últimas semanas negociando com contrapartes, contudo, evitaram o cenário adverso, e a comercializadora independente ganhou fôlego para se manter na ativa.
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A MegaWhat apurou que, até a manhã desta segunda-feira, 11 de novembro, a Gold tinha resolvido mais de 95% da sua exposição de curto prazo. Os que restaram “cabem numa mão” e são, em maioria, devedores para a comercializadora atualmente, mas com posição credora no futuro. Nesses casos, multas poderão ser cobradas pela inadimplência e os contratos poderão até mesmo ser executados.
A volatilidade voltou
O problema da Gold começou com a virada brusca nos preços de energia nos últimos meses, quando o PLD saiu do piso de R$ 61,74/MWh e chegou a bater o máximo de R$ 1.470,57, com intensa volatilidade desde junho deste ano.
Em setembro, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) colocou duas casas na chamada “operação balanceada”, em que há uma limitação no registro de novos contratos para evitar um aumento da exposição no mercado: Mill Comercializadora e Máxima Energia. Eram os primeiros sintomas de que problemas maiores viriam.
Para evitar um default das suas obrigações, a Máxima passou a negociar com as contrapartes um desconto (haircut, no termo em inglês emprestado do mercado financeiro) das obrigações, ao mesmo tempo em que iniciou uma mediação com seus credores e foi à Justiça para obter uma medida cautelar protegendo a empresa de uma execução. No pedido, apresentado em 3 de outubro, alegava que as obrigações vincendas com os credores da mediação somavam R$ 36 milhões em outubro, podendo chegar a R$ 259 milhões caso o vencimento antecipado dos contratos fosse declarado.
Segundo fontes, a Gold foi uma das credoras afetadas pela situação da Máxima, e a situação já delicada por apostas equivocadas na variação dos preços foi agravada, levantando receios que reverberaram no mercado com rumores de quebra e calote de centenas de milhões de reais. A redução na liquidez do mercado foi um desafio adicional, dificultando soluções via operações de mercado.
O tamanho da Gold
Apesar de ser uma comercializadora independente com cinco anos de atuação, a Gold conquistou espaço como market maker, e operava basicamente sem restrição de crédito com todas as contrapartes. A experiência de mais de 20 anos de mercado do principal sócio e CEO Cassiano Agapito, um dos sócios da antiga Coomex, comprada pelo BTG Pactual, onde ficou até 2016, contribuiu para a expansão das atividades da empresa, tida pelo mercado como inovadora na criação de produtos voltadas ao “trade”.
Em julho, a Gold foi a quinta comercializadora do país em termos de vendas de energia, atrás apenas de Santander, Raízen Power, BTG e Auren. Segundo levantamento da Thunders, elaborados a partir de informações da CCEE, a Gold vendeu 3.515 MW médios no período.
O tamanho da empresa explica, em parte, por que o cenário da Gold dominou as conversas no mercado de energia desde que seus problemas vieram à tona, na semana do dia 28 de outubro. Na mesma época, começou a circular a informação da saída de James Oliveira do capital social da comercializadora. O sócio, que entrou com recursos quando a empresa foi fundada, em 2020, acionou uma opção do contrato e saiu para reduzir perdas diante da situação incerta, o que acendeu um alerta vermelho no mercado.
As negociações com as contrapartes
Quando ficou evidente que a situação não seria resolvida no trading, a Gold partiu para negociações com suas contrapartes. Inicialmente, se falava que a empresa estava propondo descontos nos valores devidos, mas as conversas foram em caminho diferente: distratos dos contratos, evitando assim risco sistêmico no mercado como um todo.
A empresa tinha caixa para pagar os distratos, e a consultoria Alvarez & Marsal (A&M) entrou em campo para viabilizar as conversas, já que eram muitas contrapartes envolvidas. Ao fim das duas semanas, foram mais de 70 distratos, totais ou parciais, de um total de 180 contrapartes.
A prioridade era resolver os contratos com as comercializadoras independentes, principalmente as menores, que seriam mais prejudicadas em caso de um efeito de calote em cascata, como já aconteceu no passado em outros eventos adversos no mercado livre de energia.
Resolvida a questão urgente de outubro, sem o temido calote no dia do registro dos contratos na CCEE, as atenções da empresa agora estão voltadas para negociações com grandes players, incluindo muitos contratos de médio e longo prazo com geradores e utilities.
Com um faturamento anual entre R$ 2,5 bilhões e R$ 3 bilhões, a Gold sabe que enfrentará restrições de crédito a partir de agora, mas a reportagem apurou que a estratégia é deixar passar o pior e confiar que vai reconquistar a confiança do mercado no médio a longo prazo.
O seu “Fator de Alavancagem” medido pela CCEE no âmbito do monitoramento prudencial trouxe sinais da crise, e poderá servir também para indicar a melhora da situação no futuro. O indicador saiu de 0,061 em meados de agosto e chegou a 0,86 em 31 de outubro. É ainda melhor que o indicador da Máxima, que estava em 0,46 em agosto e chegou a 1,12 no fim de outubro, com nível máximo de 2,45 vezes em meados de setembro.
Para efeitos de comparação, o indicador da 2W, que passa por uma recuperação extrajudicial, chegou a ter um Fator de Alavancagem de 7,5 em meados de setembro.
À MegaWhat, a Máxima informou que já negociou com 90% das suas contrapartes e está adimplente com todos. “Nessa reta final de negociações, estamos avançando na solução completa do nosso portfólio e o espírito geral é de composição entre as partes”, disse a empresa, em nota. A Gold não se manifestou até a publicação da reportagem.