
O mercado livre de energia viveu nesta semana uma “explosão” do número de contratos registrados junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O volume de energia desses contratos, contudo, foi igual a zero, já que o registro permite ajustes ao longo do tempo. Já o período dos contratos, até 2050, fato que assustou algumas empresas.
O motivo para esse aumento foi a expectativa de publicação do texto da Medida Provisória que deve tratar da reforma do setor elétrico brasileiro e prevê o fim do desconto na tarifa de uso do sistema de distribuição (Tusd) para o segmento de consumo.
A MegaWhat procurou a CCEE na manhã desta quarta-feira, 14 de maio, e solicitou os dados da semana e de igual período do mês anterior, mas não teve acesso aos números.
Ainda não há MP publicada oficialmente, mas a minuta do texto que circula no mercado aponta que os descontos serão aplicados “exclusivamente até a data de término do contrato registrado na CCEE, sendo vedada a incidência destes descontos no consumo” após a data de término do contrato, por meio de troca de titularidade, prorrogação ou de duração indeterminada. Ainda será vedado o desconto em contratos não registrados na CCEE ou naqueles registrados após 30 dias contados da publicação do texto da MP.
O Ministério de Minas e Energia (MME) preparava um evento para esta quinta-feira, 15 de maio, para oficializar a assinatura da MP pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como medidas provisórias têm poder de lei assim que publicadas, os agentes se viram na iminência da perda do subsídio, mas entenderam que poderiam manter o desconto registrando os contratos antes da alteração na legislação.
Registro dos contratos na CCEE
Os contratos são registrados no CliqCCEE, principal sistema operacional da câmara, órgão responsável por gerenciar a comercialização de energia no Brasil. Ele contabiliza e liquida as operações do mercado livre de energia.
No entanto, registrar um contrato não demanda uma negociação. A criação do contrato no sistema da CCEE necessita apenas que sejam indicadas as contrapartes envolvidas e o período do contrato. A partir disso, há uma data para acontecer a “entrega” da energia e uma data para ajuste do montante.
É possível realizar o registro, sem preço e sem volume e, conforme o consumidor demandar a energia, é possível registrar os contratos nos valores e volumes no curto prazo.
“O que foi diferente [dessa vez] e que não tinha tido até hoje foi essa abertura do contrato até 2050, mas não tem negociação, ninguém avisa. Você consegue abrir um contrato sem a outra parte saber, sem ter uma negociação, você só precisa validar”, disse o sócio de uma comercializadora, sob condição de anonimato.
A ideia é ajustar o contrato futuramente com volume de energia, garantindo desde já o desconto. Não se sabe, contudo, como – e se – a MP vai tratar disso. A lógica por trás do texto é retirar da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) o subsídio relativo ao desconto para fonte incentivada do lado do consumidor, então nada impede que o texto garanta o direito apenas para contratos registrados com volume de energia.
Uma forma de reduzir essa corrida por registros na CCEE seria dar um prazo maior para o registro dos contratos pós-publicação da MP. Essa foi a sugestão da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), conforme contou o presidente da associação, Mario Menel.
Segundo Menel, a associação julga como razoável, e disse isso ao MME, que o prazo de transição seja de 150 dias.
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Impactos da corrida
A corrida para o registro dos contratos não causa risco para o mercado livre de energia, mas faz com que a CCEE tenha uma visão distorcida do mercado. Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que o MME está antevendo esse tipo de cenário e apenas contratos “reais” serão validados, já que o intuito é reduzir o subsídio pago pela conta de luz para abrir espaço para o aumento do desconto para o consumidor de baixa renda.
O entendimento do governo é que o subsídio do lado do consumidor pode ser revisto por não ser um direito adquirido, e sim uma “expectativa de direito”. O desconto hoje custa cerca de R$ 10 bilhões à CDE anualmente. Os geradores renováveis, porém, alegam que consideraram o benefício na modelagem dos projetos, já que a fonte incentivada tem um prêmio em relação à convencional justamente pelo subsídio.
Não se sabe ainda qual será a mudança da regra. Entre o texto que saiu do Ministério de Minas e Energia, passou pela Fazenda e Casa Civil, diferentes versões de minutas circularam nos celulares do mercado.
Entre as dúvidas, consultores e agentes questionam se a medida provisória vai exigir que o contrato tenha montante e entrar nesses detalhes contratuais, ou se esse ponto, ainda, passará pela análise da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e CCEE para a regulação.