Por Yuri Schmitke e Francisco Leme
Após passar pelo processo de reciclagem, os resíduos sólidos urbanos (RSU) ou lixo, como também resíduos de origem industrial, comercial, agrícolas, lodo de esgoto, em sua maioria podem ser utilizados com fonte de energia térmica, utilizando tecnologias conhecidas mundialmente dentro do conceito de valorização energética. Tais resíduos substituem recursos naturais não renováveis com grandes ganhos ambientais e sociais, gerando riqueza por meio de um destino muito mais nobre, ao invés de serem simplesmente enterrados, ou pior, enviados para lixões.
Diversas tecnologias foram desenvolvidas nas últimas décadas para recuperar a porção energética de resíduos e tiveram grandes avanços nos países da Europa, Estados Unidos e na Ásia (principalmente China, Coréia do Sul e Japão). Inclusive países com nível de desenvolvimento inferior ao do Brasil já possuem várias instalações por meio das quais resíduos substituem combustíveis fósseis, reduzindo as emissões de efeito estufa em oito vezes quando comparado com aterros com captura de biogás, conforme aponta o 5º Relatório do IPCC (Themelis, 2011).
Quando separada na origem, torna-se possível aumentar os índices de reciclagem e separar a fração orgânica para destinar às usinas de biodigestão anaeróbica, produzindo biogás, biometano e biofertilizante. No entanto, ainda restará uma grande quantidade com potencial energético, passíveis de serem separadas e preparadas mecanicamente na forma de Combustível Derivado de Resíduos (CDR), ou tratadas por meio de usinas de combustão, gaseificação ou pirólise, sendo possível gerar energia elétrica e/ou térmica de forma limpa e renovável na fração orgânica.
Nestas plantas de CDR, os resíduos passam por diversos processos mecânicos para o seu preparo. A escolha dos processos necessários depende da tipologia do resíduos e sua quantidade. Estes processos podem incluir entre outros a trituração, a classificação granulométrica, a secagem, sistema de mistura, peletização e separação ótica. Para cada um desses processos há diferentes ofertas de tecnologias e equipamentos a serem escolhidos a depender da especificação do CDR a ser produzido.
Existem diferentes tipos de CDR, somente para dar alguns exemplos temos: (i) resíduos homogêneos de uma espécie, tais como chips de pneus no final de vida, pellets de lodo de estação de esgotos, pellets de resíduos de biomassa, farinha animal, etc.; (ii) heterogêneos, com diversos resíduos industriais, onde mais de uma centena de resíduos formam lotes de CDR; (iii) resíduos sólidos urbanos e comerciais; ou (iv) resíduos líquidos e pastosos.
A arte de transformar resíduos em fonte de energia está na capacidade das plantas de produção de CDR em combinar diversas tipologias de resíduos que individualmente poderiam não ser utilizadas na recuperação energética, seja pelas suas características físico-químicas ou pelas quantidades geradas, adequando-as à uma especificação acordada com o consumidor final.
No Brasil, o CDR é produzido em dezenas de plantas existentes, praticamente em todos os estados do País, que somados geram aproximadamente 1.500.000 t/ano, quantidade esta que é praticamente consumido somente pela indústria cimenteira através do processo denominado coprocessamento.
Entretanto, o potencial brasileiro de consumo de CDR não é somente por meio das cimenteiras, que possuem planos para quintuplicar seu consumo nos próximos anos, com o objetivo maior de reduzir as emissões de gases de efeito estufa por meio da substituição de combustíveis fósseis. Há também processos que necessitam de CDR para a geração de energia elétrica e/ou vapor, o que também permite a redução de gases de efeito estufa, por se tratarem de usinas de energia limpa quando comparadas com as atuais fontes fósseis em operação no Brasil.
Para termos uma ideia deste potencial, se o Brasil atingir o patamar da destinação ambientalmente adequada de resíduos dos países Europeus, haveria um mercado de mais de 22 milhões de toneladas de CDR, o que significa em termos de potencial energético de aproximadamente quatro vezes ao consumo nacional de carvão mineral no País. Para viabilizar as centenas de novas plantas de produção de CDR, serão demandados investimentos estimados em mais de R$ 10 bilhões, gerando emprego e possibilitando uma destinação ambientalmente adequada dos resíduos, ao invés de simplesmente “enterrar” esse potencial energético.
Yuri Schmitke é presidente executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren) e do Waste-to-Energy Research and Technology Council (WtERT Brasil)
Francisco Leme é CEO da W4 Resources Consultoria Ambiental e conselheiro da Abren
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