Sem MP, Aneel conclui RTE do Amapá sem aplicar reajuste e posterga ressarcimento à distribuidora

Camila Maia

Autor

Camila Maia

Publicado

26/Mar/2024 23:03 BRT

A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, por maioria, a conclusão do processo de revisão tarifária extraordinária da Equatorial Amapá, com efeito nulo nas tarifas. A diferença entre a tarifa recolhida pela distribuidora e aquela ao qual ela tinha direito vai compor um ativo regulatório, que será reconhecido a favor da concessionária.

Caso o governo cumpra o prometido e edite uma Medida Provisória (MP) para mitigar os efeitos tarifários do estado, após sua regulamentação, as áreas técnicas da Aneel poderão recalcular a tarifa do estado e incorporar esse ativo regulatório na tarifa.

Durante a discussão, foi levantada preocupação sobre os efeitos futuros desse diferimento, uma vez que o reajuste não realizado pode se somar a outro calculado em dezembro deste ano, levando mais uma vez à discussão sobre o equilíbrio da concessão, mas a proposta do diretor Fernando Mosna, relator do processo, foi vencedora com o apoio dos diretores Hélvio Guerra e Ricardo Tili. O voto-vista do diretor-geral, Sandoval Feitosa, previa a prorrogação da tarifa atual por 60 dias, à espera da edição da MP para ser alterada, mas só teve o voto da diretora Agnes da Costa.

104 dias

A decisão encerra a indefinição das tarifas do Amapá, que se arrasta por mais de 100 dias. Em setembro, a Aneel abriu uma consulta pública para discutir a tarifa do Amapá prevendo um efeito médio de cerca de 44% aos consumidores do estado. As lideranças políticas do estado reagiram imediatamente, o que levou o governo a estudar uma solução que passa pela edição de uma Medida Provisória (MP) que permita transferir aportes previstos da Eletrobras no setor, condições colocadas na lei da sua privatização, para ajudar a mitigar a tarifa da antiga CEA.

Em 12 de dezembro, o diretor Fernando Mosna, relator do processo na Aneel, apresentou em seu voto uma proposta de postergar a vigência das tarifas atuais da Equatorial Amapá por 45 dias, e foi acompanhado pelos diretores Hélvio Guerra e Ricardo Tili. Na ocasião, a partir do refinamento dos cálculos feitos pelas áreas técnicas da agência após a consulta pública, o efeito médio a ser aplicado seria de 34,54%, inferior aos 44% propostos inicialmente mais ainda muito acima da média nacional.

O diretor-geral, Sandoval Feitosa, pediu vista ao fim do processo, o que, na prática, manteve a vigência da tarifa atual, com o compromisso de voltar a discutir o processo quando a MP fosse então editada. Em 18 de dezembro, o governo federal chegou a fazer um grande evento em Macapá, capital do Amapá, quando havia a expectativa de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinasse a MP prometida, mas isso não aconteceu, e o Ministério de Minas e Energia disse que o texto estaria passando por um "ajuste final" na Casa Civil.

Na semana passada, a Equatorial Amapá enviou cartas à Aneel alertando que a falta da revisão tarifária já custou R$ 67 milhões que deixaram de ser faturados, mais R$ 30 milhões a menos em repasses de encargos setoriais que subsidiam a tarifa. 

Na falta da MP, os diretores da Aneel passaram mais de duas horas discutindo o assunto na reunião ordinária desta terça-feira, 26 de março, divididos entre duas opções de voto.

Prorrogar de novo

Inicialmente, o diretor-geral, Sandoval Feitosa, leu seu voto-vista, no qual propôs postergar novamente a vigência das tarifas da Equatorial Amapá por 50 dias, diante da expectativa da edição de uma Medida Provisória (MP) pelo governo na primeira semana de abril equacionando o impasse.

"Em 26 de março de 2024, hoje, a chefia do gabinete do ministro de Minas e Energia informou que a estimativa da conclusão das medidas legislativas necessárias à atenuação do impacto tarifário no Estado do Amapá é a primeira semana de abril", disse Feitosa.

Na sequência, o diretor-geral reiterou a situação econômica do Amapá e a incompatibilidade das tarifas do estado com essa realidade. Ao mesmo tempo, a distribuidora precisa de uma tarifa adequada para fazer os investimentos necessários na sua área de concessão.

Reajuste zero

O diretor Fernando Mosna, por sua vez, fez posteriormente a leitura de outro voto, em que defendeu o direito da Equatorial Amapá de ter a revisão tarifária extraordinária em questão, por estar previsto em contrato, mas ponderou a situação econômica delicada do estado. Ao fim de quase uma hora de leitura de voto, Mosna apresentou seu voto, que surpreendeu ao propor reajuste zero para as tarifas do estado.

No lugar, ele propôs que seja formado um ativo regulatório, que será reconhecido a favor da concessionária. "Já se passaram, hoje, 26 de março, 104 dias sem que a CEA disponha de um conjunto de tarifas oficialmente aprovado pela Aneel", disse Mosna, afirmando que a não homologação da RTE poderia ser vista como omissão pela Aneel.

O voto propõe que em 13 de dezembro de 2024, a diferença entre a receita anual que seria faturada pela concessionária com a aplicação das tarifas propostas antes (o efeito médio de 34,54%) e aquela efetivamente faturada, com atualização pela taxa Selic, seja reconhecida como ativo regulatório. Assim, a Equatorial Amapá passaria a receber os valores da tarifa de 2024 a partir de 2025.

A proposta de Mosna também previa ajustar os valores das tarifas de transmissão, distribuição e de encargos setoriais aos patamares adequados aos custos incorridos pela distribuidora.

"Naquele momento, eu pensava que 45 dias seriam suficientes para termos uma Medida Provisória. Não tivemos, e estamos com um pedido de vista do diretor-geral Sandoval Feitosa há 104 dias, e também não tivemos ainda Medida Provisória", justificou Mosna sobre o novo voto apresentado.

Segundo o diretor, qualquer incremento na tarifa do Amapá "viola determinados direitos fundamentais daqueles consumidores de energia", devido à situação econômica do estado. Mosna argumentou ainda que mesmo que a MP seja publicada no início de abril, ela não será autoaplicável, e precisará passar por regulamentação na Aneel, postergando ainda mais o prazo de conclusão da RTE da companhia. 

Futuro incerto

Diante das incertezas entre os diretores, o processo foi suspenso para ser deliberado ao fim da reunião. No retorno, o superintendente de Regulação da companhia, Ênio Leal, fez uma breve sustentação oral, quando destacou que a concessão do Amapá foi assumida pela companhia em situação precária, o que justificou os investimentos expressivos feitos na distribuidora. 

"O que nos preocupou bastante é que talvez seja criado um precedente pelo fato do embasamento do voto ser pautado em concessões com indicadores sociais frágeis", disse Leal. "A grande questão do diferimento é ser uma bola de neve e só postergar um problema para o futuro", disse. Estimativas da Equatorial apontam que, caso seja feito de fato o diferimento de 100% do aumento da tarifa, o próximo evento tarifário terá um aumento de 80%.

Esse problema tinha sido apontado pela diretora Agnes da Costa. "Ao decidir de ofício por um diferimento de todo o processo, a gente tira o olhar para onde está o problema, que é o da política tarifária. No fundo, vamos correr o risco de chegar em dezembro desse ano e, se não tiver Medida Provisória, não vamos mais ter 34%, será 34% do ano passado e mais não sei quanto de 2024", afirmou.

O diretor Fernando Mosna reagiu negativamente à manifestação do superintendente da Equatorial, e afirmou que a empresa abriu mão de falar na abertura da consulta pública e também na audiência pública presencial, realizada em Macapá. "Eu acredito que é importante, pelo menos aos 47 do segundo tempo, aparecer um representante da Equatorial aqui. Mas, nesse momento, não temos que ouvir qualquer tipo de consideração do Grupo Equatorial. Há cinco diretores aqui que estão mais do que acostumados a tratar de processos tarifários", disse Mosna.