Os elevados investimentos necessários para atingir o ‘net zero’, jargão para as emissões líquidas nulas de carbono, passam por energias renováveis, mas também precisam estar aderentes com a estratégia das empresas.
“Quando definimos nossos objetivos, tínhamos três regras de ouro: o projeto pra ser sustentável precisa ter impacto, precisa estar alinhado e viabilizar nossa estratégia, e precisa ter retorno econômico”, disse Mauricio Russomanno, CEO da Unipar, durante o evento Energia em Foco, da AES Brasil.
Segundo Tânia Cosentino, presidente da Microsoft no Brasil, ajustar a estratégia de descarbonização com a do negócio é essencial para não fazer “greenwashing” ou descontinuar todos os esforços de ESG no primeiro obstáculo. “É possível conectar a estratégia de sustentabilidade com o negócio, mas para chegar no net zero temos que ser responsáveis pelo impacto e pela cadeia”, disse a executiva.
Autoprodução e o cliente no centro
A energia elétrica renovável está no centro da transição energética no mundo, disse Russomanno, da Unipar. A companhia inaugurou, em 2019, com a AES Brasil a tendência de contratos de autoprodução remota no mercado livre de energia, a fim de capturar as vantagens da isenção de encargos e os descontos na tarifa de uso da rede concedidas às fontes incentivadas.
Segundo Russomanno, desde então, a Unipar fechou outro acordo com a AES Brasil e outro com a Atlas Renewables, todos em autoprodução, garantindo um custo competitivo para a energia, descarbonização, e impacto social positivo nas regiões onde ficam os empreendimentos – preenchendo assim os critérios necessários na estratégia da empresa.
“Antes, a gente assinava PPA [sigla em inglês para contrato de compra de energia] no mercado regulado, em leilão. Não tinha a figura do cliente, consumidor era outra forma de trabalhar”, disse Camila Ramos, CEO da Clean Energy Latin America (Cela). “Com a abertura do mercado, veio a figura do cliente no centro, e a forma de trabalhar está mudando”, completou.
Para a especialista, que atua na estruturação de financiamentos de projetos de energia, principalmente, é importante fidelizar o cliente de energia neste novo momento, ainda mais os de menor porte, que compõem a maior parte dos consumidores deste novo momento do mercado. “Em termos de volume de clientes, a oportunidade é gigantesca, e temos um caminho imenso regulatório e nas estratégias das empresas pela frente”, disse Ramos.
Novas tecnologias na descarbonização
Com as novas exigências dos clientes, veio também a necessidade de investir em novas tecnologias. Segundo Tânia Cosentino, presidente da Microsoft no Brasil, a inteligência artificial hoje traz ganhos de produtividade à indústria como um todo, permitindo a expansão de novas indústrias como do hidrogênio verde. “Podemos criar uma cadeia de produção e uma indústria altamente produtiva e competitiva, e totalmente alimentada por energias renováveis”, disse a executiva.
Durante o evento, o CEO da AES Brasil, Rogério Jorge, revelou que a Microsoft é a contraparte de um PPA de energia renovável anunciado na divulgação dos resultados da companhia no primeiro trimestre do ano, por prazo de 15 anos, e início em julho de 2024. A energia virá do complexo eólico Cajuína, no Rio Grande do Norte, e a Microsoft será a dona de um PPA de 154 MW do empreendimento.
Esse contrato foi personalizado para entregar flexibilidade e previsibilidade para a Microsoft, que vê a iniciativa ligada diretamente ao seu compromisso global de ser carbono negativa até 2030.
O desafio de descarbonizar a cadeia
A tecnologia também é importante na descarbonização da cadeia de fornecedores da indústria, outro desafio importante. Segundo Fabiana Mafra, head de Procurement na Unilever, a companhia começou a agir nesse sentido por meio de um projeto piloto com 10% da sua base de fornecedores, divididos em diversos portes, do pequeno ao grande.
Nesse processo, a ideia era entender como os fornecedores iriam lidar com isso, e qual o custo que seria cobrado disso. “Tivemos excelentes feedbacks e entendemos que nós, grandes, temos a responsabilidade de forçar essa curva”, explicou Mafra.
Depois do piloto, a Unilever lançou, neste ano, um programa para atingir o net zero nos fornecedores, e escolheu um grupo maior para ampliar a iniciativa do projeto piloto. “Estamos investindo em parceiros que nos ajudem a fazer o programa rodar e nos ajudem a validar a base de emissão de carbono dos fornecedores, para entender por qual caminho iremos”, contou.
“Se o Brasil não determinar a vocação que o país quer ter, direcionar os esforços, pensar na cadeia, simplificação de processos, simplificação tributária, não vamos avançar”, disse Cosentino, da Microsoft.
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