Entenda como a entrada da Bolívia no Mercosul pode impactar o setor de energia

Maria Clara Machado

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Maria Clara Machado

Publicado

30/Nov/2023 19:52 BRT

Na última terça-feira, 28 de novembro, o Senado Federal aprovou a entrada da Bolívia no Mercosul. O assunto já tinha passado pela Câmara de Deputados e, agora, segue para promulgação presidencial. Todos os demais membros do Mercosul já aprovaram a entrada da Bolívia no bloco.

O país é o principal parceiro comercial do Brasil para a importação de gás natural. Em 2022, o Brasil importou uma média de 17,5 milhões de m³ de gás por dia da Bolívia, enquanto a regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) foi de 6,53 milhões de m³ por dia, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME).

Apesar disso, agentes do mercado ouvidos pela MegaWhat não acreditam que a eventual entrada da Bolívia no Mercosul signifique mais gás boliviano no Brasil, pois o maior gargalo está do lado da oferta. “A Bolívia ainda tem gás, mas falta investimentos para extrair esse gás”, diz o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Pedro Rodrigues.

Com pouco gás disponível, o gasoduto Brasil-Bolívia (Gasbol), com capacidade total de fornecimento de 30 milhões de m³ por dia, está subutilizado. “O Brasil já importou muito mais”, diz Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Grupo de Economia da Energia (GEE). “Não vejo grandes impactos [na entrada da Bolívia no Mercosul], porque falta investimento lá”, conclui Queiroz.

De fato, o Brasil já recebeu mais gás boliviano. Em 2007, por exemplo, foram importadas 27,5 milhões de m³ por dia da Bolívia. Sem investimentos relevantes para a exploração e produção em novas reservas, as exportações de gás boliviano para o Brasil devem se encerrar em 2030, segundo estudo do Instituto de Energia da PUC-Rio (IEPUC).

Além do declínio nas reservas, com gás mais escasso há descumprimento dos acordos por parte da Bolívia. Pedro Rodrigues, do CBIE, explica que os contratos que a Bolívia tem com a Petrobras são contratos muito antigos e com garantia de preços. “Nos últimos anos, o preço do gás na conjuntura mundial subiu muito, e começou a ficar melhor para a Bolívia descumprir o contrato com a Petrobras, pagando a multa contratual que existe e vendendo o gás mais caro no mercado”.

Outro fator a ser considerado é o aumento na dependência do Brasil em relação a um único fornecedor. “É diferente da importação via terminal de GNL [gás natural liquefeito], que você tem um mercado internacional com uma multiplicidade de cargas”, avalia Lívia Amorim, sócia do Veirano Advogados na prática de Energia, Infraestrutura & Projetos.

Ela também pondera que, para aumentar o fluxo de importação, seria importante avaliar gargalos na malha do Gasbol e restrições de escoamento na malha da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), que opera o gasoduto.

Redução nas tarifas de importação deve ter impacto baixo no preço

Independentemente do volume importado, a entrada da Bolívia no Mercosul não deve ter impacto significativo no preço do gás que chega ao Brasil.

“Ao longo da cadeia, tem o custo da produção, de transporte, da distribuição. Mesmo que tenha uma tarifa de importação [reduzida], o peso disso é muito pequeno nessa estrutura de custos”, explica Helder Queiroz, do GEE - UFRJ.

Lívia Amorim também lembra que, como boa parte do gás boliviano é importado e revendido pela Petrobras, uma redução no custo deste fornecedor não deve ter grande impacto no preço final para os consumidores. “Vai entrar no mix de preços da Petrobras, essa correlação não é imediata”.

Para a advogada, mesmo com preço mais baixo os compradores precisam avaliar o risco de exposição. “Esse custo só vai ser menor quando tudo der certo. Se algum dia a Bolívia não mandar o gás ou algo der errado, o comprador teria uma exposição muito grande. É um mercado físico”, diz.


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