Por Nivalde de Castro e Nelson Siffert
O mundo está, atualmente, vivenciando um processo de transformação do paradigma energético, derivado do agravamento das condições climáticas, que impõe a necessidade de descarbonização das atividades econômicas emissoras de gases de efeito estufa. Este contexto exige o desenvolvimento de inovações tecnológicas de baixo carbono, abrindo um imenso campo de oportunidades para novos produtos e novos negócios, o que, consequentemente, exigem novos investimentos.
O Relatório da International Renewable Energy Agency (Irena, 2021) identifica cinco pilares tecnológicos para a transformação do futuro energético até 2050, sendo eles:
- A eletrificação de atividades econômicas poluidoras;
- O estímulo ao desenvolvimento do hidrogênio verde, produzido por eletricidade renovável a partir de eletrólise;
- A inovação em setores desafiadores para a descarbonização, como aviação, transporte marítimo e indústria pesada;
- O crescimento da difusão de fontes renováveis convencionais; e
- O aumento da flexibilidade do sistema de energia, diante do crescimento da participação de fontes renováveis intermitentes.
Estas transformações radicais no setor energético apontam para um processo de descarbonização, impulsionado pela eletrificação dos usos finais. A descarbonização, contudo, leva ao aumento da demanda de energia elétrica, o qual deverá ser atendido, necessariamente, por fontes renováveis.
Para viabilizar este novo paradigma energético, que tem como objetivo máximo a descarbonização da economia global, é necessária, no curto prazo, a formulação estratégica de políticas públicas em nível sem precedentes, com a mobilização massiva de recursos públicos e privados.
Diante deste contexto, nas próximas décadas, o Setor Elétrico Brasileiro estará diante de novas oportunidades, em função da agenda de mudanças climáticas, da descarbonização da economia mundial e, ainda, da crescente eletrificação das atividades produtivas, da mobilidade e do padrão de consumo.
Ao longo dos últimos anos, as evoluções tecnológicas em curso no setor elétrico se expressaram na rápida difusão das energias solar e eólica, o que está se traduzindo, em última análise, na redução de custos de geração em função dos ganhos de escala. Em ambos os segmentos, o Brasil, país de dimensão continental, apresenta expressivas vantagens comparativas, a exemplo de o fator médio de geração de energia eólica em alguns clusters na Região Nordeste alcançar indicadores cerca de 50% acima da média mundial. No caso da energia solar, igualmente, amplas regiões do Brasil possuem níveis de insolação bastante superiores àqueles encontrados nas maiores economias desenvolvidas.
Além da difusão das fontes renováveis, inovações tecnológicas no setor elétrico se aceleram a um ritmo cada vez maior, que vem atravessando transformações de natureza disruptiva. Entre outras, uma delas apresenta um potencial competitivo para o Brasil. Trata-se do aproveitamento do hidrogênio configurando uma das tecnologias mais promissoras. Após um período de experimentação e superação de barreiras próprias de uma nova tecnologia em desenvolvimento, espera-se que haja o aumento de ganhos de escala e a redução de custos associados com a produção e aproveitamento do hidrogênio.
Com relação a esta tecnologia, vale ressaltar três fatores centrais:
- O emprego de recursos renováveis para a produção do hidrogênio verde, que terá mais valor agregado em função das metas de descarbonização;
- Para ser considerado verde, a produção de hidrogênio não deve causar efeitos negativos na matriz elétrica dos países produtores em termos de utilização de energias renováveis; e
- Investimentos consideráveis na infraestrutura de geração de energia renovável, além daqueles direcionados a utilities de produção, transporte e armazenamento de hidrogênio, se farão necessários.
Neste contexto, o hidrogênio verde apresenta o potencial de oferecer uma solução para a descarbonização de setores de difícil eletrificação. Porém, conforme mencionado, as fontes de energia a serem empregadas na produção do hidrogênio – insumo eletrointensivo – devem ser renováveis, de modo a torná-lo um combustível verde.
Destaca-se, ainda, que a difusão do hidrogênio como fonte de energia elétrica renovável abre a perspectiva de que este, em sua forma líquida, se torne uma commodity passível de ser transacionada no mercado internacional, sobretudo o europeu, onde o desequilíbrio entre oferta e demanda de energia é um elemento de insegurança energética. Neste sentido, a flexibilidade desta nova commodity mundial em termos de estocagem e transporte, ainda que questões de segurança demandem aperfeiçoamentos, traz oportunidades para que o Brasil seja um player relevante no mercado internacional.
Para o Setor Elétrico Brasileiro (SEB), os efeitos decorrentes desta expectativa de o hidrogênio se tornar tradable internacionalmente fazem com que a sua demanda não mais seja determinada exclusivamente pelo mercado interno. Ocorre, assim, um deslocamento do teto de crescimento da capacidade instalada de fontes renováveis e de linhas de transmissão direcionadas para a produção desta nova commodity. Ou seja, as possibilidades e potencial de produção do hidrogênio verde para o mercado internacional atuará como uma fronteira de expansão do SEB.
Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ. Nelson Siffert é pesquisador associado do Gesel da UFRJ.
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