Por: Nayanne Brito e Rebeka Passos*
A roda foi uma invenção revolucionária de 3.500 a.C. A mala existe há aproximadamente 150 anos. A inovação aconteceu ao associar a mala às rodas e a evolução resultante foi evidente: apesar da redução do espaço útil, a facilidade de transportá-la é uma externalidade positiva muito superior à negativa, por isso malas com rodinhas são unanimidade pelo mudo afora.
Uma inovação semelhante é possível no setor elétrico a partir das usinas híbridas. As usinas eólicas são conhecidas por ter a maior geração elétrica durante a noite. Por sua vez, as solares têm seu pico de geração durante o dia. A complementaridade de ambas é evidente, conforme a imagem abaixo, referente às curvas de geração das fontes de energia eólica e solar no dia 25 de maio de 2021 dos quatro subsistemas do SIN.
Variação da disponibilidade das fontes eólica e solar em base horária para o dia 25 de maio de 2021. Fonte: histórico da operação do SIN, ONS.
O perfil de geração complementar entre as fontes de energia eólica e solar tem um grande potencial para prover uma energia mais confiável do que um sistema baseado somente em um recurso energético isolado.
Adicionalmente, a transição energética já é uma realidade e tem como característica maior a participação de fontes renováveis variáveis. Se por um lado essa variação traz um desafio de previsibilidade. Por outro, a combinação de fontes complementares suaviza essas variações e traz mais estabilidade para a geração. Para permitir essa associação, uma evolução natural é a adequação das regras para que seja possível a busca por mais eficiência financeira e energética.
Esse artigo explicará de forma breve sobre as usinas híbridas, os desafios da regulação e a janela de oportunidade para esses modelos com a redução do subsídio preconizado na lei 14.120/21 recém-publicada.
Uma usina híbrida combina duas ou mais fontes num mesmo espaço. Um exemplo é o primeiro projeto de parque híbrido de energia solar e eólica do Brasil, pertencente à VTRM, joint venture formada pela Votorantim Energia e CPP Investments, que foi aprovado no dia 18 de maio de 2021 pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)[1].
Chama atenção que o primeiro projeto piloto dessa natureza tenha sido aprovado apenas neste ano, mesmo que o Brasil seja o país com maior densidade de energia renovável do mundo. Citando também as vantagens óbvias de compartilhamento da infraestrutura já disponível, otimização da utilização da rede e divisão de custos são externalidades positivas relevantes.
Um dos motivos do primeiro projeto de usina híbrida datar desse ano é a baixa atratividade por causa da obrigação de contratação de Montante de Uso do Sistema de Transmissão e Distribuição (MUST/MUSD) equivalente a soma das potências de cada fonte², mesmo que duas eficiências máximas não ocorram simultaneamente, ilustrado na imagem a seguir.
Ilustração de sobrecontratação do uso da rede. Fonte: adaptado da MegaWhat.
Cita-se também desafio regulatório de regras para a contabilização e liquidação de energia produzida ainda não adaptadas para esse formato híbrido. Por exemplo: as metodologias de cálculo de garantia física, que hoje são desenhadas para cada fonte separadamente.
Além da superação desses desafios regulatórios, outra possibilidade favorável ao segmento é o compartilhamento da infraestrutura e do Contrato de Uso do Sistema para usinas híbridas.
Nas regras vigentes, não há previsão para a consideração de uma potência instalada menor que a soma das capacidades instaladas das duas fontes. Ou seja, não há barreira regulatória para a implantação de Usinas Híbridas, porém, as regras não consideram a complementaridade entre as fontes e oneram projetos dessa natureza, visto que seria necessário contratar a modalidade permanente, em que cada fonte teria sua outorga e seu Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST).
Nesse sentido, a Análise de Impacto Regulatório – AIR, pós Primeira Fase da Consulta Pública nº 61/2020 da Aneel, propõe a alternativa da contratação do uso da rede dentro do que chamam de ‘faixa de potência para fins de Contratação de Uso da Rede’ (valor entre a maior Potência e a soma das Potências das fontes).
As alterações de compartilhamento de rede e CUST representam eficiência: redução de custos e otimização de utilização da infraestrutura existente e dos recursos naturais.
Em paralelo, a promulgação da lei 14.120, que retira o subsídio da TUSD e da TUST garantidos às fontes incentivadas, pode ser o estopim que os empreendedores precisam para explorar a associação de fontes como uma alternativa para reduzir a exposição da variação do PLD horário, aumentar a geração de eletricidade e melhorar as taxas de retorno. Com a aplicação desse formato, há uma redução global do setor e mais atratividade para investimentos em geração no Brasil.
A transição energética é unanimidade mundo afora. A inovação de associar fontes renováveis num mesmo espaço promove a externalidade positiva de otimização energética e pode ganhar rodinhas de adequação regulatória para reduzir custos. Assim, mantemos o Brasil na posição de vanguarda da matriz energética renovável.
[1] https://www.venergia.com.br/noticias/aprovacao-de-parque-hibrido/
² Resoluções Normativas n° 666/2015 e n° 506/2012 da ANEEL.
*Nayanne Brito e Rebeka Passos, fundadoras do Conversas Energéticas
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