Opinião da Comunidade

Pedro Rodrigues escreve: O novo indexador para o gás natural

Pedro Rodrigues escreve: O novo indexador para o gás natural

Por Pedro Rodrigues*

No início de maio, a Petrobras divulgou nota ao mercado informando novas indexações nos contratos de gás natural. A nova indexação ainda será discutida, mas a proposta é usar o indexador gás-gás, baseado no Henry Hub, para a precificação da molécula vendida pela Petrobrás no Brasil, visando diminuir a volatilidade nos preços.

Os contratos atuais entre a Petrobras e as distribuidoras são vinculados ao valor do petróleo tipo Brent. Os preços desses contratos são atualizados trimestralmente pela média da cotação do barril de petróleo (Brent) no período, da taxa de câmbio e passam a ter vigência a partir do mês seguinte ao trimestre considerado. Com base nessa metodologia, a companhia anunciou, no início do mês, um aumento de 39% em R$/m3 (e de 32% em MMBtu) no preço do gás natural. O aumento não foi bem recebido nem pelas distribuidoras nem tão pouco pelo mercado, a saída foi sugerir uma nova indexação para novos contratos.

No modelo indexado ao Brent, o preço de venda da molécula de gás natural reflete toda a volatilidade do mercado global de petróleo. Com o novo indexador, o objetivo é diminuir essa volatilidade do mercado de petróleo indexando o preço da molécula do gás ao hub americano. Porém, a troca do indexador por si só pode não ter todo esse efeito esperado de frear a volatilidade para o mercado doméstico. No mercado global, os preços do gás natural vinham em uma trajetória relativamente estável até 2020, quando foram impactados pelo contexto do cenário internacional de petróleo e pelas baixas temperaturas na Ásia e nos Estados Unidos, além dos efeitos econômicos da pandemia de coronavírus (Covid-19).

Na Ásia, o Japan Korean Market (JKM), benchmark de preço do norte da Ásia, chegou a subir 18 vezes em menos de nove meses. Os preços spot caíram a quase a zero em abril, por efeito da queda de demanda em decorrência da pandemia do coronavírus. Por outro lado, em 12 de janeiro, o benchmark subiu acima de US$ 30/MMBtu, o maior valor desde o início da série da S&P Global Platts em 2009. Nesse caso, a elevação inédita de preços se deu em decorrência do clima frio, que impulsionou a demanda no Norte da Ásia e ecoou pela Europa.

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Comparando o histórico da curva da projeção do Henry Hub com o petróleo tipo Brent nota-se, claramente, que a volatilidade implícita da curva de petróleo é muito maior. Fato que, possivelmente, influenciou a decisão da Petrobras pela nova fórmula de indexação frente a referência gas-oil atual.

Contudo, é preciso estar atento que a cotação do Brent é uma referência global, já o Henry Hub é referente à um mercado local, que nos últimos anos, com o advento do shale passou a “contaminar” parte da precificação global. O Henry Hub é um ponto de negociação de gás natural nos Estados Unidos EUA, localizado perto de Erath, Louisiana. Esse hub tem capacidade de transporte de 51 milhões de metros cúbicos por dia (m3/d) e reúne gasodutos interestaduais e intra-estaduais. Ele é um ponto de negociação à vista muito líquido e, também, o ponto de entrega padrão para o contrato futuro de gás natural da New York Mercantile Exchange (NYMEX), sendo, portanto, muito representativo para os preços de gás natural nos EUA.

Diante da nova proposta de contrato anunciada pela Petrobras devemos ter dois pontos de atenção. Primeiro do ponto de vista técnico, uma referência gas-gas com base em um mercado diferente do brasileiro não faz muito sentido. Segundo que apesar da diminuição da volatilidade, o Henry Hub historicamente acompanha os movimentos do mercado de petróleo, além disso, por não ser um hub doméstico brasileiro, ainda vamos estar sujeitos a eventos do mercado americano, como por exemplo, a sazonalidade de verão e inverno que passarão a refletir na realidade de preço do gás natural brasileira. Na prática, o Brasil só contará com uma referência de gas-gas doméstica quando possuir um hub nacional que represente parcela significativa da comercialização do gás no país. Portanto, o correto é aumentar a produção doméstica, reduzir a importação e aí sim poderemos falar de gás-gás e de hub no Brasil.

*Pedro Rodrigues é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e fundador do canal Manual do Brasil.

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