Por: Giovani Bruno Tomasoni e Rafael Dias Gil*
O descomissionamento das estruturas e instalações de exploração e produção de petróleo e gás natural vem ganhando relevância nos últimos tempos. Atualmente, essa etapa da vida útil das plataformas já é objeto de estudos desde a sua concepção e permeia todo o processo de licenciamento. Trata-se da remoção das estruturas físicas operacionais, seja pelo exaurimento dos poços, pela falta de viabilidade econômica ou pelo término de vigência do contrato de exploração e produção.
Em 2020, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) editou a Resolução 817/2020, definindo novas regras para o descomissionamento, além de revogar três normativas que anteriormente regulamentavam o assunto. O objetivo da nova resolução é dar maior celeridade, clareza e objetividade ao procedimento, considerando que o órgão, por meio do Painel Dinâmico de Descomissionamento de Instalações de E&P, demonstra que atualmente existem 88 unidades de produção móveis e fixas já em processo de descomissionamento de estruturas offshore.
Dada a complexidade e o grande interesse do setor, é louvável a dedicação das autoridades – ANP, Ibama e Marinha – que participaram da elaboração da norma e o esforço para levar esclarecimentos à sociedade civil e aos interessados nesse processo. Dentre os mais importantes aspectos do descomissionamento estão os ambientais. Além da Marinha e da ANP, o Ibama é um dos órgãos competentes para analisar o Projeto de Descomissionamento de Instalações (PDI), apresentado pelos empreendedores quando decidirem pelo fim da produção.
Entretanto, o Brasil não dispõe de norma específica unicamente voltada para o endereçamento das questões ambientais no descomissionamento dessas estruturas. O Ibama defendeu em alguns fóruns que o país já possui um quadro legal amplo, que aborda diversos elementos associados a projetos de descomissionamento, não sendo necessária, portanto, a edição de uma norma específica sobre o tema, além de que a resolução recentemente publicada pela ANP é suficiente para cobrir os aspectos ambientais do descomissionamento.
No entanto, entendemos que ainda residem alguns pontos de melhora na conjugação entre as normas ambientais existentes e a resolução da ANP. O principal deles diz respeito às alternativas relativas à destinação ambientalmente adequada de resíduos sólidos resultantes das estruturas offshore. De acordo com o texto, a remoção parcial ou a permanência definitiva no local de instalações poderão ser admitidas em caráter de exceção, desde que atendidos os requisitos normativos aplicáveis e devidamente justificados.
Ocorre que, nem a resolução nem outras normas sobre o tema estabelecem quais seriam os requisitos e critérios aplicáveis para que a remoção parcial ou a permanência definitiva sejam consideradas viáveis e aceitas pelas autoridades. Verifica-se então que a recente regulamentação da ANP é rasa sob esse aspecto, notadamente no seu viés ambiental. Em termos práticos, isso acaba levando à uma discricionariedade desproporcional da administração pública ao analisar os pedidos de descomissionamento que defendem o abandono das estruturas como solução mais adequada para a proteção do meio ambiente, tendo em vista as muitas variáveis e riscos associados aos trabalhos de desmobilização das estruturas.
Apesar de as autoridades entenderem que os regulamentos existentes são suficientes para fundamentar decisões motivadas sobre o tema do descomissionamento de plataformas, ao nosso ver as normas existentes deixam um vácuo normativo sobre o tema. O objetivo não é defender a edição de novas normativas que possam onerar ainda mais o processo de descomissionamento, mas seria desejável que o Ibama e as demais autoridades se debruçassem sobre a questão para definir elementos e critérios mais objetivos e claros que possam subsidiar estudos que levem a decisões fundamentadas e compatíveis com os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade que devem orientar os atos da administração.
A edição da nova norma da ANP ocorre em momento de suma importância para o mercado de óleo e gás brasileiro, considerando que grande parte das estruturas atingiram ou atingirão em breve a maturação e o exaurimento. É de especial relevância que os órgãos públicos e o setor privado estejam alinhados e trabalhem conjuntamente para atingir melhores resultados para a economia, meio ambiente e sociedade.
* Giovani Bruno Tomasoni e Rafael Dias Gil são, respectivamente, sócio e associado da área de Meio Ambiente, Consumidor e Sustentabilidade do Trench Rossi Watanabe
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