Maria João Rolim e Luciana Goulart Ferreira escrevem: Aspectos relevantes da Lei 14.385/22

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Publicado

15/Jul/2022 15:00 BRT

Por: Maria João Rolim e Luciana Goulart Ferreira*

No último dia 28 de junho, foi publicada a Lei 14.385, que determina que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) deverá promover, nos processos tarifários, a destinação integral, aos consumidores, dos créditos obtidos pelas distribuidoras em razão de decisões judiciais que impliquem redução de tributos, ressalvados os incidentes sobre a renda e o lucro.

Quanto aos créditos decorrentes das ações judiciais em que as distribuidoras obtiveram o direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, a Lei 14.385/22 determina que a Aneel deverá considerar o total do crédito compensado perante a Receita Federal do Brasil, os tributos incidentes sobre os valores repetidos, os valores repassados diretamente aos consumidores e a capacidade máxima de compensação.

As diretrizes da Lei nº 14.385/22 e a pendência da Consulta Pública 005/2021 suscitam uma série de questões que devem ser consideradas pela Aneel no tratamento dos créditos das distribuidoras. Apesar de a Lei 14.385/22 determinar a “destinação integral” dos créditos aos consumidores, a Agência deverá considerar a integralidade dos valores efetivamente passíveis de destinação.

Não há dúvida de que os créditos em análise são de titularidade das distribuidoras, uma vez que o PIS e a COFINS são tributos diretos, aos quais não se aplica o art. 166 do Código Tributário Nacional, razão pela qual entendemos que a Lei nº 14.385/22 é passível de questionamento judicial. No presente artigo, contudo, optamos por elencar, sem a pretensão de esgotá-los, alguns dos aspectos que deverão ser considerados pela Agência no tratamento da questão.

I. Liquidez e certeza dos créditos 

 Os valores compensados pela distribuidora com outros tributos federais somente se tornarão líquidos e certos após a homologação expressa ou tácita das compensações pela Receita Federal do Brasil (RFB), cujo prazo é de cinco anos após a data de cada compensação.

Se a RFB não homologar a compensação, o valor será exigido automaticamente das distribuidoras, dando início a novo litígio que poderá durar anos. Por consequência, não há segurança jurídica na destinação de valores relativos a compensações não apreciadas pela RFB, o que não pode ser desconsiderado pela Aneel, pelo menos para que eventuais valores não homologados sejam considerados nas posteriores revisões tarifárias.

A Aneel também deverá considerar que as distribuidoras que ajuizaram suas ações após 15 de março de 2017 poderão perder os créditos anteriores a essa data, por força de ações rescisórias[1] que têm sido ajuizadas pela União Federal com base na modulação de efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 (Tema 69 da Repercussão Geral).

Tal como na hipótese da não homologação das compensações, caso este fator não seja acatado pela Aneel, correr-se-á o risco de se antecipar aos consumidores o repasse de um crédito inexistente.

A Aneel também deverá aplicar, de modo conjunto e sistêmico, os critérios previstos no §8º do art. 3º da Lei 9.427/96, uma vez que a destinação do crédito de PIS/COFINS não pode ter tratamento distinto do sucesso em outras demandas tributárias.

A previsão de repasse antecipado do crédito não homologado pela Receita Federal do Brasil, que consta nos §§ 3º e 5º do art. 3-B da Lei 9.427/96, mesmo que dependa da anuência da distribuidora, também é fonte de preocupação. Afinal, trata-se de mera expectativa de direito, que depende de diversas variáveis, tal como a estimativa da carga tributária esperada ao longo do ano.

Por fim, o crédito da distribuidora é composto por valores que não foram suportados economicamente pelos consumidores, uma vez que os valores correspondentes à inadimplência (faturados, mas não recebidos) não são abatidos da base de cálculo do PIS e da COFINS.

II. Ganho de Eficiência e Prescrição

É certo que os créditos de PIS e COFINS decorrem exclusivamente da conduta diligente das distribuidoras, que, por sua conta e risco, ingressaram com as ações judiciais e assumiram todos os custos a elas inerentes.

A Lei 9.074/1996 garante a apropriação dos ganhos de eficiência empresarial e o Decreto 2.335/1996 estipula ser dever da Agência estimular a repartição de forma justa dos benefícios auferidos pelos agentes e os consumidores.

A edição de novo regulamento ou revisão do Proret para contemplar especificamente o tratamento do caso sob análise é essencial para a segurança jurídica do setor, assegurando isonomia de tratamento entre concessionárias e entre os próprios consumidores.

Por fim, os créditos não poderão contemplar valores prescritos, conforme reconheceu a Procuradoria da Aneel no Parecer nº 50/2022/PFANEEL/PGF/AGU, apresentado na Consulta Pública 005/2021. Não cabe à Agência determinar que aos consumidores sejam destinados valores excedentes àquilo que os consumidores teriam direito caso pretendessem, em nome próprio, receber.


[1] Vide processo nº 0808355-52.2021.4.05.0000.


* Maria João Rolim e Luciana Goulart Ferreira são advogadas sócias institucionais do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.


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