Carlos Faria e Mariana Amim escrevem: Consumidor, a razão de ser do setor elétrico

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Publicado

24/Jun/2022 15:00 BRT

Por: Carlos Faria e Mariana Amim*

Qual é o maior desafio dos consumidores de energia no Brasil hoje? O ideal é que essa pergunta, frequente em fóruns do setor de energia, pudesse ser respondida da maneira mais lógica: é simplesmente continuar a consumir para produzir bens e serviços. Mas, infelizmente, a cota vai muito além disso: consumir para produzir bens e serviços exige cobrir uma infinidade de obrigações e custos, por vezes alheios a suas responsabilidades, ampliando de maneira exponencial o desafio de se manter competitivo.

Isso porque, em primeiro lugar, cabe aos consumidores garantir o equilíbrio econômico-financeiro das distribuidoras, de modo que seus serviços se mantenham minimamente eficientes e adequados. Também lhes cabe permitir a expansão e manutenção do Sistema Interligado Nacional (SIN), com justa remuneração dos geradores, para que a carga possa seguir seu curso de crescimento e não falte energia para ninguém. Além disso, devem garantir a sustentabilidade e o equilíbrio das transmissoras, para todos terem acesso à energia e recebê-la efetivamente no momento em que precisam, e, finalmente, viabilizar o fluxo de caixa do mercado livre, dando-lhe a necessária liquidez.

Não são tarefas fáceis, ainda mais quando enfrentamos crises econômica, política e sanitária. Afinal, todas essas responsabilidades resultam em pressões econômico-financeiras significativas, inflacionando os custos produtivos para muito além do razoável. Portanto, o maior desafio dos consumidores hoje é superar essas condições e ganhar o devido reconhecimento de sua posição prioritária no setor elétrico.

O aumento da eficiência setorial depende, primeiramente, de uma ampla revisão da composição dos preços e da estrutura tarifária, de modo que possamos buscar custos de mercado que garantam a competitividade para todos os consumidores. Para tanto, é imprescindível eliminarmos os custos políticos das contas de energia. Ou seja, temos de reduzir ao máximo os subsídios setoriais e garantir a extinção de encargos que hoje nos transformam, via contas de luz, em patrocinadores do setor e, infelizmente, de privilégios desnecessários para terceiros.

Além disso, é urgente priorizar as fontes de geração de menor custos, mas sem que essa condição resulte em reservas de mercado. A energia deve ser limpa, mas também competitiva, para bem fundamentar a competição da produção brasileira em relação às dos concorrentes no comércio global.

Por fim, para atingirmos a eficiência do mercado, é imprescindível implementar sua abertura e permitir que os agentes nele concorram em igualdade de condições. Isso depende da garantia à liberdade de escolha a todos os consumidores, mas também de que as regras do mercado sejam equilibradas e mais simples, de modo que os agentes possam atuar conforme suas características e especificidades e, acima de tudo, tenham condições de entender suas obrigações e realmente possam escolher o melhor fornecedor.

Hoje, estamos às portas da implantação de uma modernização setorial que pode endereçar pelo menos parte dessas questões e dar fôlego a um modelo desgastado e falido, cuja maior parte dos riscos são alocados para os consumidores.

Embora não seja ideal, o Projeto de Lei 414/21 constitui um primeiro passo para a revisão dessas práticas setoriais que vivenciamos. Com a modernização do setor elétrico, teremos a oportunidade de rever suas condições e buscar alternativas de melhor equilíbrio para combater o vitimismo das concessionárias de distribuição e transmissão e adequar as margens dos agentes para que nenhum risco incontrolável seja transferido aos consumidores.

Essas medidas podem reverter as condições danosas pelas quais passamos, possibilitando que o consumidor finalmente se livre da pecha de amortecedor de todos os riscos setoriais e ocupe seu devido lugar como o ser e a razão de ser do setor de energia. Ou seja, possa se dedicar ao desafio que efetivamente lhe cabe: consumir energia para produzir bens e serviços.

* Carlos Faria é diretor-presidente e Mariana Amim é diretora de assuntos técnicos e regulatórios da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace).


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