Entidades ligadas aos consumidores de energia enviaram cartas ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e ao Senado Federal, defendendo o Projeto de Lei 414, que trata da abertura do mercado livre de energia, e pedindo a exclusão de emendas da Medida Provisória 1.118, aprovada pela Câmara, que, entre outras mudanças, prorrogam em 24 meses o prazo para que projetos de geração com outorga como incentivados possam concluir as obras mantendo o desconto pelo uso das redes de transmissão e distribuição (Tust e Tusd).
Cálculos citados pelas entidades apontam que a extensão do prazo iria onerar os consumidores em R$ 8 bilhões ao ano. Não foram dados detalhes sobre as premissas utilizadas. Esses descontos pelo uso da rede são custeados pelos consumidores por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), cujo orçamento para 2022 subiu 32,4%, e chegou a R$ 32 bilhões.
“O mecanismo de subsídio atualmente em vigor concede incentivo às classes de consumidores e agentes produtores que não necessitam dessa vantagem. E o que é pior, sendo pago por todos os demais consumidores de todas as classes, o que, a exemplo dos subsídios concedidos a outros segmentos, deveriam ser custeados pelo Tesouro Nacional”, diz a carta da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, assinada pelo presidente Luiz Eduardo Barata, ex-diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), direcionada ao Senado Federal.
Além da frente, também assinam a carta entidades representantes de consumidores, como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e a Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro).
O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, assinou ainda uma outra carta, direcionada ao ministro Sachsida, acusando a inserção de “jabutis” na MP, “que impactam a conta de energia e nos preocupam”. O número de R$ 8 bilhões ao ano também foi citado neste documento.
“Mais um impacto que surge sem qualquer diálogo ou discussão técnica envolvendo aqueles que acabam assumindo o custo das decisões que favorecem setores econômicos sem a devida discussão esvaziando o papel do governo na formulação da política energética nacional e da Aneel na sua regulação”, diz a carta da Abrace ao ministro do MME.
A visão das renováveis
Originalmente, a MP tinha sido concedida para desfazer a concessão de créditos tributários a empresas que comprem combustível para uso próprio, mas o deputado Danilo Fortes (União-CE), relator do assunto na Câmara, decidiu ir além e incluiu emendas relacionadas ao setor elétrico no texto submetido ao plenário.
Entre as alterações, estava a abertura do mercado livre de energia para consumidores de alta tensão a partir de 2024, e um prazo adicional de dois anos para que projetos de geração de fontes renováveis que pediram a outorga até março de 2022 tenham direito ao desconto nas tarifas de transmissão e distribuição, a Tust e a Tusd.
As inclusões desagradaram associações ligadas a consumidores e distribuidores de energia, que reclamaram do atropelo dos assuntos via MP e alertaram para possíveis aumentos nos preços de energia para os consumidores, devido ao prolongamento dos subsídios. Houve um acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os trechos ligados à abertura do mercado livre foram retirados. O texto da MP 1.118, com a prorrogação do prazo para as fontes incentivadas, foi enviado ao Senado, que terá até 27 de setembro para dar seu aval à medida antes que ela perca eficácia.
“Se o Brasil tiver pelo menos um ‘waiver’, um espaço de 54 meses, vamos conseguir fazer ajustes de oferta e demanda e conseguiremos entregar projetos”, disse Élbia Gannoum, presidente da Abeeólica. “Se não houvesse o prazo, os projetos iriam morrer, e iriam trazer mais prejuízo ao país, matando projeto em andamento. Que sinal de investimento você vai trazer para o Brasil, se vai matar projeto sem levar em consideração duas grandes crises, a covid e a energética?”, questionou.
O presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia, lembrou ainda que quando a Lei 14.120 determinou o fim do desconto pelo uso das fontes incentivadas, foi determinado que seria criada outra forma de reconhecer os benefícios ambientais dessas geradoras renováveis. A regra para a valoração dos benefícios ambientais deveria ter sido publicada até março deste ano, mas ainda não aconteceu.
“Como eu posso dizer que [o desconto] vai custar mais, se eu não sei como será o novo modelo? Como vai ser trabalhado esse atributo ambiental? Vai ser via CDE? Quem vai pagar esse valor ambiental?”, questionou Sauaia.
(Atualizado em 02/09/2022, às 17h)