A inclusão de um prazo adicional para conclusão de projetos de geração renovável mantendo o desconto pelo uso da rede na Medida Provisória (MP) 1.118 foi defendida por associações ligadas ao setor de renováveis, que avaliam que não haverá aumento de subsídios ou custos para os consumidores, mas sim uma solução para gargalos de empreendimentos em execução.
O que mudou
Originalmente, a MP tinha sido concedida para desfazer a concessão de créditos tributários a empresas que comprem combustível para uso próprio, mas o deputado Danilo Fortes (União-CE), relator do assunto na Câmara, decidiu ir além e incluiu emendas relacionadas ao setor elétrico no texto submetido ao plenário.
Entre as alterações, estava a abertura do mercado livre de energia para consumidores de alta tensão a partir de 2024, e um prazo adicional de dois anos para que projetos de geração de fontes renováveis que pediram a outorga até março de 2022 tenham direito ao desconto nas tarifas de transmissão e distribuição, a Tust e a Tusd.
As inclusões desagradaram associações ligadas a consumidores e distribuidores de energia, que reclamaram do atropelo dos assuntos via MP e alertaram para possíveis aumentos nos preços de energia para os consumidores, devido ao prolongamento dos subsídios. Houve um acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os trechos ligados à abertura do mercado livre foram retirados, com o compromisso de que o Projeto de Lei (PL) 414, que trata do assunto e está consolidado no setor, será votado em outubro. O texto da MP 1.118, com a prorrogação do prazo para as fontes incentivadas, foi enviado ao Senado, que tera até 27 de setembro para dar seu aval à medida antes que ela perca eficácia.
“Pensamos diferentes de algumas associações e institutos que falaram que o Congresso exacerbou suas funções. Vamos separar, ‘jabuti’ é o que aconteceu com a [lei da] Eletrobras. Uma coisa é você obrigar o setor elétrico a contratar energia de uma fonte específica, isso sim é uma ingerência setorial”, disse Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Ele se referiu aos “jabutis” – jargão político usado para assuntos não relacionados incluídos via emendas em projetos de lei – presentes na Lei 14.120, de conversão da MP 998, originalmente editada para viabilizar a privatização da Eletrobras mas que acabou ganhando outras atribuições, como a contratação compulsória de 8 GW em termelétricas pelo país, e até mesmo a determinação do prazo final para a concessão dos descontos no fio das fontes incentivadas.
Maior prazo para renováveis
A lei em questão definiu o início de março deste ano como prazo final para submissão dos pedidos de outorga para projetos, que deveriam entrar em operação em até 48 meses depois disso para garantir o desconto. A emenda da MP 1.118 deu 24 meses adicionais para os empreendimentos que aportarem garantias de fiel cumprimento.
“Não serão beneficiados projetos novos, não tem aumento de janela de oportunidade para ninguém submeter projeto novo”, disse Sauaia.
Segundo Élbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), o prazo adicional é importante pois muitos projetos sofreram com atrasos gerados por duas crises, da pandemia de covid-19 e pela crise de energia na Europa gerada pela guerra entre Rússia e Ucrânia. “Houve uma pressão muito grande nos preços de commodities, e as fabricantes tiveram que repassar os preços. O mundo inteiro resolveu fazer renováveis, e o Brasil ficou prejudicado nesse curto espaço de tempo”, disse a especialista.
“Se o Brasil tiver pelo menos um ‘waiver’, um espaço de 54 meses, vamos conseguir fazer ajustes de oferta e demanda e conseguiremos entregar projetos”, disse Gannoum. “Se não houvesse o prazo, os projetos iriam morrer, e iriam trazer mais prejuízo ao país, matando projeto em andamento. Que sinal de investimento você vai trazer para o Brasil, se vai matar projeto sem levar em consideração duas grandes crises, a covid e a energética?”, questionou.
O presidente da Absolar lembrou ainda que quando a Lei 14.120 determinou o fim do desconto pelo uso das fontes incentivadas, foi determinado que seria criada outra forma de reconhecer os benefícios ambientais dessas geradoras renováveis. A regra para a valoração dos benefícios ambientais deveria ter sido publicada até março deste ano, mas ainda não aconteceu.
“Como eu posso dizer que [o desconto] vai custar mais, se eu não sei como será o novo modelo? Como vai ser trabalhado esse atributo ambiental? Vai ser via CDE? Quem vai pagar esse valor ambiental?”, questionou Sauaia.
Sinal locacional
Outra mudança que a MP 1.118 trouxe foi em relação à metodologia do sinal locacional, atualmente em discussão no âmbito da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), com a intenção de atribuir o custo correto para a transmissão de projetos localizados mais distantes da carga.
A regra em debate na Aneel é ruim para projetos localizados no Norte e Nordeste, e o texto de Danilo Fortes, que é um dos líderes da Frente Parlamentar em Defesa das Energias Renováveis, determina que as regras da metodologia do sinal locacional deverão considerar diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), “tendo em vista a redução das desigualdades regionais, a máxima eficiência energética e o maior benefício ambiental.”
Além disso, o texto propõe que as tarifas de uso da rede sejam congeladas para concessões na época da obtenção da outorga, para dar estabilidade e segurança para os agentes do setor.
Para Élbia Gannoum, a inclusão do tema na MP é importante porque a Aneel está “cometendo o maior equívoco da história, dando sinal locacional para fazer projetos onde não há recurso, porque os recursos estão concentrados no Nordeste.”
Ao encarecer a transmissão dos projetos localizados na região, o custo deles ficará muito caro e vai inviabilizar nova geração. “Isso vai causar impacto muito grande em eólicas e solares de grande porte, o que é um erro de política energética muito grande”, criticou a presidente da Abeeólica.
Sauaia também é um crítico da metodologia em discussão na Aneel, mas avaliou que a mudança da MP 1.118 não foi suficiente para amenizar o problema. “Diria que ainda está um pouco vago. A lei passa a atribuição para o governo, mas fala em ‘poderá’. Assim, o governo poderá fazer ou não. Do ponto de vista da segurança jurídica, palavras subjetivas não são o caminho”, disse.
O congelamento das tarifas no momento da obtenção da outorga foi defendido por Sauaia, que avalia que a mudança de regras passadas poderá gerar uma insegurança jurídica no setor que afetará fluxo de caixa, capacidade de investimentos e rentabilidade dos projetos. “É difícil que o mercado não se mobilize o judicialize isso. Nesse sentido, a lei pode desarmar uma bomba relógio”, afirmou.