Por: Carlos Evangelista*
Com a implementação da Lei 14.300/2022 o setor de geração distribuída (GD) experimentou um crescimento respeitável. Atualmente, o Brasil conta com aproximadamente 2,51 milhões de sistemas de produção própria de energia instalados, a maioria destes, oriundos de fonte solar fotovoltaica. Essa expansão é particularmente notável na geração distribuída – GD, que ultrapassou os 28,5 gigawatts (GW) de potência instalada, abrangendo diferentes aplicações – residências, comércios, indústrias, propriedades rurais e prédios públicos. Com isso, o país atende quase 3,6 milhões de unidades consumidoras com a tecnologia fotovoltaica, uma vez que uma unidade de GD pode atender várias unidades consumidoras, demonstrando um avanço significativo em direção à sustentabilidade energética.
Potencial de Crescimento e Motivações Econômicas
Este crescimento impressionante revela um potencial ainda maior. O Brasil possui cerca de 94 milhões de unidades consumidoras de energia elétrica no mercado cativo, indicando um vasto espaço para expansão. Entre as principais razões para o aumento da adoção da energia fotovoltaica estão a crescente conscientização ambiental nas empresas e a perspectiva de redução nos custos de energia. Até 2032, espera-se uma economia líquida superior a R$ 84,9 bilhões nas contas de luz devido aos sistemas solares instalados em telhados e pequenos terrenos. Os benefícios líquidos da geração distribuída representam cerca de 40% do total da energia gerada, considerando-se uma tarifa média residencial de R$ 729 por MWh (dados da Aneel).
Avanços significativos na democratização do setor e participação dos Consumidores
A Lei 14.300/2022 contribuiu para a estabilidade regulatória, atraindo investimentos em tecnologias inovadoras como armazenamento de energia, equipamentos mais eficazes e sistemas de gestão mais eficientes. Além disso, incentivou a participação ativa dos consumidores no mercado de energia elétrica, transformando-os em prosumidores, o consumidor que produz a própria energia. Com incentivos claros e um retorno de investimento previsível, muitos optaram por investir em sistemas próprios de geração de energia, fomentando a descentralização da matriz elétrica brasileira, por outro lado, aqueles que não tem recursos ou área disponível para colocar seus painéis solares, podem optar pela geração compartilhada, fazendo desta a mais democrática de todas as modalidades de geração de energia, abrindo as portas para a classe baixa e classe média se beneficiarem das vantagens de geração distribuída.
Podemos apontar diversos benefícios, tangíveis e intangíveis para a Lei 14.300/2022, dentre os quais destacamos:
– Preservação do direito adquirido, ou seja, respeito e à proteção dos contratos estabelecidos desde 2012 sob a Resolução Normativa nº 482 (REN482) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Este aspecto da Lei 14.300/2022 assegura que todos os acordos e investimentos realizados antes de sua promulgação sejam honrados e mantidos conforme os termos originalmente acordados. Isso inclui a salvaguarda dos direitos e benefícios dos consumidores e investidores que apostaram na geração distribuída, confiando na regulamentação vigente da época. Tal medida alinha-se com as diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), buscando garantir que mudanças legislativas não prejudiquem aqueles que já contribuíam para o avanço do setor energético.
– Estabilidade jurídica regulatória, estabelecida pela Lei 14.300/2022 cria um quadro legal robusto e confiável para o desenvolvimento futuro da geração distribuída (GD). Essa iniciativa proporciona um ambiente legal mais previsível e seguro para empresários e investidores interessados no setor. A legislação delineia um cenário claro e de longo prazo para o desenvolvimento de projetos de energia distribuída, permitindo que os participantes do mercado façam planos e investimentos com maior confiança.
– Inclusão de mais de 30 milhões de novos consumidores no sistema, devido a possibilidade de recepcionar consumidores de baixa renda e com a compensação do custo de disponibilidade.
– Utilização de GD para iluminação pública, ampliando o escopo das aplicações, incluindo a possibilidade de colocar a iluminação pública na SCEE, abrindo inúmeros novas possibilidades de trabalho para pequenas empresas, além de possibilitar uma economia considerável de dinheiro público nas prefeituras.
– Desenvolvimento de novos modelos de negócios com a introdução de condomínios civis voluntários e edilícios, dentre outros, aumentando os modelos de negócios disponíveis, e melhorando os já existentes.
– Previsão da utilização de baterias ou sistemas híbridos, incentivando a adoção de tecnologias de armazenamento e geração que irão permear o futuro do setor elétrico.
– Permite a utilização do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi), definindo regras bem mais claras para incentivos ao desenvolvimento de infraestrutura no setor elétrico, com os investimentos privados de GD.
– Define a transferência de titularidade, estabelecendo um procedimento regulamentado e mais claro para mudança de titularidade nos sistemas de GD.
– Possibilita a disseminação de serviços ancilares, permitindo a contratação de serviços que aumentam a eficiência do sistema elétrico, abrindo também uma gama de novas possibilidade de negócios.
– Trata a venda e locação de créditos para as distribuidoras, dando a possibilidade disponibilizar esses créditos para instituições governamentais.
– Com todas essas vantagens e benefícios, alguns descritos anteriormente, estima-se uma economia de quase R$85 bilhões em dez anos, investimentos privados da ordem de R$141 bilhões, criação de mais de 1 milhão de empregos desde 2012, beneficiando todo o setor elétrico e consequentemente toda a sociedade.
A Lei 14.300/2022, apesar de incentivar a geração distribuída, não elimina os desafios enfrentados pelos prosumidores – consumidores que também produzem energia – especialmente no que tange à conexão com a rede elétrica. Essas dificuldades se manifestam de várias formas:
Complexidade e Variabilidade dos Processos de Conexão
As distribuidoras de energia muitas vezes têm processos de conexão complexos e não padronizados, o que tem gerado confusão e atrasos. A falta de um procedimento uniforme em todo o país significa que prosumidores em diferentes regiões enfrentam requisitos variados e muitas vezes com solicitações desnecessárias ou exageradas por parte das distribuidoras.
Burocracia e Demora nas Aprovações
A quantidade de documentação necessária e os procedimentos burocráticos podem ser onerosos e demorados. Prosumidores frequentemente relatam atrasos na análise e aprovação de seus pedidos de conexão pelas distribuidoras, o que atrasa o início da geração e do retorno do investimento. Também há interpretações distintas sobre os prazos, colocando em alguns casos todo o investimento do prosumidor em risco
Capacidade de Infraestrutura das Distribuidoras
Em algumas áreas, a infraestrutura existente das distribuidoras não está totalmente preparada para integrar a energia gerada pelos prosumidores. Isso pode resultar em exigências adicionais para atualizações de infraestrutura, reforço de rede ou limitações na quantidade de energia produzida ou mesmo o horário em que pode ser injetado energia na rede.
Falta de Transparência e comunicação Eficaz
A falta de transparência nas políticas e decisões do setor elétrico, assim como o recorrente desprezo pela lei 14.300/2022, por parte de algumas distribuidoras, também tem sido um obstáculo. Prosumidores muitas vezes se deparam com informações insuficientes ou pouco claras sobre os procedimentos e requisitos para a conexão à rede, por exemplo, quando a distribuidora alega discricionariamente a impossibilidade de conexão devido a inversão no fluxo de potência, sem mostrar claramente os cálculos e sem oferecer outras opções viáveis de conexão ao prosumidor.
Resistência às Mudanças no Modelo de Negócio
Algumas distribuidoras têm demonstrado resistência às mudanças impostas pela expansão da geração distribuída, uma vez que isso altera o modelo tradicional de negócio no setor de energia. Essa resistência pode se manifestar em forma de barreiras adicionais para a conexão dos prosumidores à rede, não previstas na Lei 14.300/2022.
Esses desafios citados acima, dentre outros, destacam a necessidade de aprimoramentos na legislação e na regulamentação, buscando simplificar o processo de conexão, garantir a transparência e a comunicação eficiente, e adequar a infraestrutura das distribuidoras para suportar a crescente geração distribuída no Brasil.
A geração distribuída, especialmente através de fontes renováveis como a energia solar fotovoltaica, representa um avanço significativo não só em termos tecnológicos e econômicos, mas também na direção de uma sociedade mais sustentável e justa.
À medida que avançamos, os desafios identificados na conexão dos prosumidores à rede elétrica e na implementação efetiva da Lei 14.300/2022 devem ser enfrentados com um espírito de justiça e inovação. A legislação e a regulamentação devem ser moldadas não apenas pelas necessidades técnicas e econômicas, mas também por uma visão de equidade e sustentabilidade. Assim, ao abraçarmos a transformação do setor energético, devemos também nos comprometer com o princípio de que as leis devem ser justas, equitativas e beneficiar a sociedade como um todo, cumprindo a premissa de Montesquieu de que a justiça é o alicerce fundamental sobre o qual as leis devem ser construídas e justificadas. Ao refletir sobre os desafios e conquistas trazidos pela Lei 14.300/2022 no setor de energia distribuída, é importante lembrar das palavras de Montesquieu: “Uma coisa não é justa porque é lei, mas deve ser lei por ser justa”.
*Carlos Evangelista é presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD)
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