
Por: Paula Padilha, Fernanda Aquino e Giovanna Dias*
O setor elétrico brasileiro está passando por transformações significativas. O avanço de fontes renováveis, como solar e eólica, introduziu desafios relacionados à intermitência e à necessidade de maior flexibilidade operacional. Sem uma infraestrutura de armazenamento em larga escala, o país ainda depende de usinas termelétricas para garantir o fornecimento durante períodos de baixa geração renovável, impactando custos e emissões de carbono.
Além disso, a ausência de capacidade de armazenamento leva ao desperdício de energia renovável excedente quando a geração supera a demanda imediata. Nesse contexto, o armazenamento de energia em baterias emerge como uma solução crucial para garantir a segurança energética, a estabilidade da rede e o pleno aproveitamento da geração renovável. Mas qual é a viabilidade econômica dessa tecnologia e como o Brasil está avançando em sua implementação?
O Brasil ainda não possui um marco regulatório consolidado para sistemas de armazenamento de energia. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) iniciou, em 2023, a Consulta Pública nº 39/2023, dividida em três fases, visando obter contribuições para aprimorar a regulamentação do armazenamento de energia elétrica, incluindo usinas reversíveis. A segunda fase dessa consulta ocorreu entre 12 de dezembro de 2024 e 30 de janeiro de 2025. O Ministério de Minas e Energia (MME) também está avançando, com planos para realizar, ainda este ano, o primeiro leilão de reserva de capacidade na forma de potência com sistemas de armazenamento em baterias, com objetivo de garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica, especialmente com a crescente integração de fontes renováveis intermitentes.
Entre os principais desafios regulatórios neste segmento emergente estão a definição clara do papel do armazenamento (geração, consumo ou serviço ancilar), a criação de um modelo de remuneração adequado e a definição das tarifas de uso do sistema (TUST/TUSD). Há ainda questões de outorga, conexão, licenciamento ambiental e segurança operacional. Além disso, a viabilidade financeira das baterias precisa ser considerada: os custos de implantação ainda são elevados, e o retorno sobre o investimento depende de um arcabouço regulatório que permita múltiplas fontes de receita para os projetos.
É essencial que os avanços regulatórios sejam acompanhados de segurança jurídica, previsibilidade nos processos licitatórios e incentivos adequados, a fim de atrair investidores e acelerar a consolidação do armazenamento como um recurso vital para a confiabilidade e eficiência do sistema elétrico brasileiro.
Com uma regulação madura, combinado à inovação tecnológica e à sinalização de mercado por meio dos leilões, o armazenamento em baterias pode consolidar-se como um dos pilares da transição energética no Brasil — transformando desperdício em eficiência e intermitência em estabilidade.
Perspectivas e iniciativas em curso
A ANEEL e o MME estão colaborando para estruturar a integração dos sistemas de armazenamento, explorando diferentes modelos de negócios. A Portaria nº 812/2024 e a Nota Técnica nº 125/2024 estabeleceram diretrizes iniciais para o Leilão de Reserva de Capacidade. Com contratos de longo prazo e regras claras para a remuneração da disponibilidade de potência, espera-se que esses leilões mobilizem investimentos significativos, reduzindo a dependência de termelétricas no médio prazo. O Brasil busca inspiração em mercados desenvolvidos, como Califórnia, Alemanha e China, que utilizam sistemas de armazenamento de energia em larga escala (BESS) com autonomia de 2 a 5 horas.
Atentas a essa transformação, diversas empresas do setor estão negociando e incluindo, nos contratos fundiários de seus projetos, a previsão de instalação de baterias. Essa tendência demonstra o crescente interesse em soluções de armazenamento para otimizar a operação dos empreendimentos.
Diversas áreas apresentam oportunidades promissoras:
- Consumidores comerciais e industriais (C&I): podem reduzir custos energéticos por meio do “peak shaving” (uso de energia armazenada durante períodos de alta demanda) e garantir maior segurança operacional com backup energético.
- Geração distribuída: a integração de sistemas híbridos (solar + bateria) pode aumentar a previsibilidade da geração, autonomia e resiliência do suprimento.
- Microrredes: essenciais para o agronegócio e comunidades isoladas, onde o acesso à energia é intermitente ou inexistente.
- Serviços auxiliares e mercados de capacidade: segmentos emergentes que podem viabilizar economicamente projetos de armazenamento.
Além disso, o crescimento de sistemas “in front of the meter” abre espaço para projetos de grande porte, que podem atuar como substitutos parciais das termelétricas em momentos críticos para o sistema elétrico.
Com investimentos crescentes e a perspectiva de um arcabouço regulatório mais sólido, o armazenamento em baterias pode deixar de ser uma “aspiração distante” e se tornar uma alternativa real para a segurança energética do Brasil. A transição, no entanto, dependerá de incentivos adequados, evolução tecnológica e redução de custos, fatores que determinarão o ritmo dessa transformação.
*Paula Padilha, Fernanda Aquino e Giovanna Dias são, respectivamente, sócia e associadas do Vieira Rezende Advogados.
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