Opinião da Comunidade

Fernando Jacob e Erika Breyer escrevem: Restrições operativas podem impactar investimentos em fontes eólica e solar

Fernando Jacob e Erika Breyer escrevem: Restrições operativas podem impactar investimentos em fontes eólica e solar

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Por: Fernando Jacob e Erika Breyer*

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O aumento da inserção das fontes renováveis intermitentes (eólica e solar) na matriz elétrica brasileira tem trazido desafios para a operação do sistema elétrico. Dados do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram que a capacidade instalada de usinas eólicas e fotovoltaicas saltaram de 12.371 MW para 28.448 MW e 952 MW para 11.292 MW, respectivamente, entre janeiro/2018 e dezembro/2023. Tal aumento de potência resultou, no total, em um incremento de energia gerada de 11.232 MWm, sendo que a demanda por energia teve um incremento muito menor, saindo de 66.559 MWm para 74.685 MWm no mesmo período avaliado, resultando, portanto, em uma oferta de 3.106 MWm maior do que a demanda.

A entrada em operação de fontes intermitentes foi bastante superior ao aumento de demanda no Sistema Interligado Nacional (SIN) e, mesmo considerando o fator de capacidade dessas fontes, o aumento é bastante considerável, além do descasamento entre as curvas de geração dessas fontes e a curva de consumo. Um sintoma causado por tal desbalanço e que tem ocorrido com frequência é a solicitação de limitação de geração de usinas eólicas e solares pelo ONS, sobretudo por motivos de razão energética, que corresponde à falta de demanda para um excesso de geração para um determinado período.

O apagão ocorrido em 15 de agosto de 2023 fez com que o ONS adotasse uma postura mais conservadora quanto à operação do SIN, reduzindo o intercâmbio entre os submercados e aumentando as solicitações de limitação de geração para conferir mais confiabilidade ao sistema.

Na região Nordeste, essas restrições de injeção de energia ficaram ainda mais frequentes, uma vez que já há um excesso de empreendimentos de fontes intermitentes que ficaram impedidas de escoar essa energia para outras regiões em razão da limitação de intercâmbio.

Quando ocorrem esses cortes de geração, o empreendedor é prejudicado diretamente na receita do seu projeto, pois deixa de produzir a energia que seria comercializada. De acordo com a regulamentação vigente, a única situação de corte de geração que dá direito a ressarcimento pelo prejuízo causado é se esta limitação foi decorrente de restrições nas instalações elétricas externas à usina restringida. Caso o corte tenha sido solicitado pelo ONS por não haver demanda suficiente para absorver aquela energia ou por questões que possam afetar o bom funcionamento do sistema (confiabilidade), o empreendedor responsável pelo projeto que teve sua geração limitada não receberá qualquer tipo de compensação financeira. No final de 2023, o ONS publicou o relatório do PAR/PEL, horizonte 2024-2028, no qual aborda justamente o crescimento da energia vertida devido à expansão de usinas eólicas e solares no sistema. Segundo simulações, é possível chegar a valores da ordem de 50 GW de restrições, considerando todas as fontes, durante o período seco a partir de 2026. Mesmo em um cenário mais conservador, onde se leva em conta apenas as usinas que, além de contratos de conexão, possuem também contratos de venda de energia assinados, o vertimento poderia atingir um total de 27 GW no período referenciado.

Por outro lado, há também a penetração crescente da MMGD nos sistemas de distribuição, que contribui para diminuição da carga líquida e uma necessidade cada vez menor de expansão da geração centralizada, ponto que também foi abordado no PAR/PEL. Ao comparar a curva de carga líquida máxima de um dia útil de dezembro de 2023 e dezembro de 2028, verifica-se que em 2028 poderá haver horas nas quais a demanda será menor que a demanda de 2023, principalmente nos períodos de maior incidência solar. Cabe destacar, também, que se projeta o deslocamento da carga líquida mínima, que ocorria durante a madrugada, e passará a ocorrer no domingo, durante os períodos de maior incidência solar, acarretando restrição de geração para geradores, sobretudo as usinas fotovoltaicas.

Tal cenário traz extrema dificuldade para os investidores em geração centralizada, tanto no planejamento para implantação de novas usinas quanto para gestão das usinas já em operação. Tendo em vista que em nenhum dos pontos expostos os geradores têm gestão direta, já que a operação é responsabilidade do ONS, além de não existirem regras para priorização ou critérios operativos para limitação da energia gerada. Portanto, o investimento fica comprometido, já que não é possível prever o volume a ser limitado e os impactos financeiros decorrentes de tal restrição, cabendo reiterar que, por motivações estruturais, as classificações do ONS para solicitar cortes de geração têm sido, majoritariamente, aquelas que não dão direito a qualquer tipo de compensação, conforme regulamentação vigente.

Dessa forma, é importante o ONS envidar esforços para criar mecanismos com o intuito de trazer mais previsibilidade para os geradores e clareza quanto aos critérios e priorização dos empreendimentos que terão sua geração limitada. Também consideramos fundamental a retomada da consulta pública ANEEL nº 45/2019, que trata do estabelecimento de critérios operativos para redução ou limitação de geração, já prevista na agenda regulatória da ANEEL, com previsão para decisão de regulamentação definitiva durante 2025.

*Fernando Jacob é especialista em regulação e Erika Breyer é gerente de Regulação da SPIC Brasil. 

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