Opinião da Comunidade

Guilherme Dantas e Pedro Vardiero escrevem: Liberalização dos mercados varejistas em um contexto de cescentralização dos sistemas elétricos

Guilherme Dantas e Pedro Vardiero escrevem: Liberalização dos mercados varejistas em um contexto de cescentralização dos sistemas elétricos

Por Guilherme Dantas e Pedro Vardiero

A abertura de mercados de baixa tensão não é uma novidade em nível internacional. Porém, a análise das experiências indica que comumente os resultados estão sendo modestos. Notadamente, as incumbentes tradicionais tendem a apresentar vantagens competitivas (renovações automáticas de contrato, multas para rompimento de contrato, possibilidade de contraproposta para reter o consumidor, etc.) que propiciam a manutenção do seu predomínio nos mercados.

Para mitigar essas distorções, são perceptíveis os avanços regulatórios e, quando necessário, órgãos de defesa da concorrência se fazem presentes atuando de forma a coibir o exercício de poder de mercado. Todavia, por si só, estas iniciativas tendem a não ser suficientes para a promoção de mercados efetivamente dinâmicos e competitivos.

A compreensão dos resultados da liberalização dos mercados varejistas requer o entendimento do comportamento desengajado por parte da maioria dos consumidores. Dentre as possíveis causas para este comportamento, constam a preferência pelas incumbentes tradicionais, a percepção de que a troca de comercializador se configura como um processo complexo e, sobretudo, questionamentos sobre os benefícios financeiros da migração.

A partir deste diagnóstico, iniciativas estão sendo tomadas com o objetivo de incitar os consumidores a serem mais ativos no mercado. Para isso, a disponibilização de plataformas de comparação das ofertas de diferentes comercializadores e a difusão de medidores avançados são tidos como pontos centrais deste processo de engajamento dos consumidores.

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No âmbito de mercados varejistas liberalizados e sujeitos à lógica da geração centralizada, as comercializadoras são a única interface dos consumidores com os mercados atacadistas. Em linhas gerais, as comercializadoras são responsáveis, não apenas pela aquisição de energia para o atendimento da demanda dos consumidores com o respectivo gerenciamento de risco, como normalmente também são responsáveis pelo faturamento e cumprimento de obrigações em termos de recolhimento de encargos e do custeio das redes de transmissão e de distribuição.

Mesmo considerando que muitas das plataformas de comparação de preços já possibilitam a migração automática de supridor de energia, as comercializadoras de energia permanecem como elemento central nas relações entre os consumidores varejistas e os mercados atacadistas. Ou seja, por si só, dotar os consumidores de mais informações, incluindo a instalação de medidores avançados, não resulta em grandes modificações na dinâmica dos mercados varejistas.

Entretanto, a partir do momento em que a disponibilização de informações faça com que o engajamento dos consumidores contemple medidas de gerenciamento de demanda, os contornos da competição nos mercados varejistas tornam-se passíveis de alterações. Concomitantemente, dado que sistemas de micro e mini geração possibilitam geração de energia local para consumidores com disponibilidade de instalação de sistemas fotovoltaicos e, por consequência, os mesmos tornam-se aptos a atenderem parte de sua demanda através de geração própria e ainda injetarem excedentes na rede, os consumidores irão se tornar cada vez mais autônomos. Esta tendência deverá se acentuar com a difusão de sistemas de armazenamento distribuídos.

Além da mudança de comportamento por parte dos consumidores, a presença de novos agentes torna imperativa a análise das implicações para as atividades das comercializadoras. Dentre as novas figuras, os agregadores de carga, juntamente com os serviços de gerenciamento da demanda, de sistemas de geração distribuída e de armazenamento, exigem especial atenção.

A problemática transcende a potencial redução do mercado das comercializadoras. É preciso considerar os riscos inerentes às posições assumidas pelas comercializadoras no mercado atacadista. Explica-se: a conjugação de sistemas de geração distribuída e de armazenamento com medidas de gerenciamento da demanda tendem a resultar em consideráveis modificações nas curvas de carga dos consumidores finais. Dado que estas alterações podem não ser visíveis para as comercializadoras, é compreensível a maior complexidade da gestão do portfólio de energia das comercializadoras.

Em um horizonte de longo prazo, as implicações sobre as comercializadoras podem ser ainda mais relevantes. Esta perspectiva advém da possibilidade de os consumidores passarem a ter acesso direto aos mercados de energia, através de plataformas de comercialização de energia baseadas em blockchain – as quais viabilizariam transações peer-to-peer. Como consequência, os agentes em nível de baixa tensão (geradores distribuídos, detentores de sistemas de armazenamento, consumidores, etc.) poderão realizar transações de forma direta.

Este processo de descentralização dos sistemas elétricos está associado a um menor nível de regulamentação das atividades, sobretudo ao se considerar que, em grande medida, estas estão associadas a uma maior liberdade de escolha por parte dos consumidores. No entanto, trata-se de uma situação contrastante com as diretrizes legais impostas às comercializadoras que atuam em mercados varejistas. Tipicamente, além de estarem sujeitas a um conjunto estrito de normas regulatórias, o processo de obtenção de licença de uma comercializadora envolve a comprovação de capacitação técnica e, em muitos casos, o aporte de robustas garantias financeiras.

Observa-se, assim, a necessidade de se minimizar distorções derivadas das assimetrias entre os processos de liberalização e a dinâmica de descentralização dos sistemas elétricos. Por um lado, é preciso a garantia de um ambiente propício à inovação, não apenas em termos de novas tecnologias, mas também no âmbito de modelos de negócios. Ao mesmo tempo, torna-se necessária a manutenção da proteção dos direitos dos consumidores e da solvência dos mercados. Em linhas gerais, esta é uma discussão que está ganhando importância em nível internacional.

Guilherme Dantas e Pedro Vardiero são sócio-diretores da Essenz Soluções.

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação. 

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

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