Opinião da Comunidade

Qual o preço da sustentabilidade? – Impactos do novo mercado de carbono no setor elétrico

Andersen Barreto Müller fala sobre carbono (Divulgação MegaWhat)
Andersen Barreto Müller fala sobre carbono (Divulgação MegaWhat)

Por: Andersen Barreto Müller*

Após anos de discussão, o Brasil aprovou, em dezembro de 2024, a Lei 15.042, que estabelece o arcabouço regulatório para a implementação do mercado regulado de carbono. Com a legislação definida, o próximo passo será a regulamentação detalhada, permitindo que o mercado entre em pleno funcionamento entre 2029 e 2030.  

O que é um mercado de carbono? 

O mercado de carbono é um sistema criado para reduzir a emissão de gases do efeito estufa, permitindo a compra e venda de permissões de emissão. Esse mercado se divide em duas categorias principais: regulado e voluntário

No mercado regulado, empresas podem negociar dois tipos principais de ativos: as cotas de emissão e os créditos de carbono. Em termos simples, uma cota de emissão permite que um agente do mercado emita 1 tonelada de gás carbônico equivalente (tCO2e) para a atmosfera; já um crédito de carbono indica que o agente deixou de emitir ou removeu da atmosfera 1 tCO2e. 

O mercado brasileiro funcionará por meio de um sistema cap-and-trade, ou seja, o regulador do mercado de carbono definirá o limite de emissões que o país tolera e, com isso, emitirá um número equivalente de cotas de emissão através de leilões. Cada empresa poderá comprar cotas livremente nesses leilões, de acordo com sua estratégia. Vale ressaltar que empresas de todos os setores da economia serão contempladas no mercado regulado, com exceção de atividades agropecuárias.  No entanto, somente os agentes que emitirem mais de 10 mil tCO2e no ano estarão sujeitos às primeiras obrigações. Já aqueles que emitirem mais de 25 mil tCO₂e por ano precisarão, adicionalmente, apresentar um relatório de conciliação, comprovando que suas emissões correspondem às cotas adquiridas no início do período. 

Integração internacional 

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A criação de um mercado global de créditos de carbono já vem sendo debatida pela ONU desde o Acordo de Paris, em 2015, mas ganhou força nos últimos anos. O Brasil, por sua abundância de recursos naturais, já vinha sendo procurado por investidores para a geração de créditos de carbono no mercado voluntário. Agora, com a criação do mercado regulado, haverá a possibilidade de empresas estrangeiras compensarem suas obrigações domésticas diretamente com ativos do mercado brasileiro, desde que tenham uma sede no Brasil. Essa medida ainda depende de ato normativo, mas tende a impulsionar significativamente a entrada de investimentos estrangeiros, acelerando o crescimento do setor.  

Impacto no setor elétrico 

Embora o mercado regulado de carbono traga mudanças significativas, é importante destacar que o setor elétrico não será o mais impactado, uma vez que a matriz elétrica brasileira é cerca de 90% renovável e representa apenas 4% das emissões totais do país. Os efeitos mais significativos devem ocorrer em setores como indústria e transportes. Ainda assim, dado que este artigo se concentra no setor elétrico, exploramos suas implicações específicas dentro desse novo cenário regulatório.  

A principal mudança será o aumento dos custos para as usinas térmicas, que precisarão comprar créditos de carbono para compensar suas emissões. Esse custo adicional, antes inexistente, será repassado aos consumidores por meio dos encargos de capacidade (ERCAP). Isso ocorre porque, nos leilões de reserva de capacidade (LRCAP), as térmicas disputam contratos para garantir disponibilidade ao sistema elétrico. Com a nova exigência de créditos de carbono, as usinas devem aumentar o valor de suas ofertas nos leilões para compensar esse custo, resultando em encargos mais altos para todos os consumidores. 

Além disso, o mercado de carbono pode ter efeito também no mercado de curto prazo, caso as térmicas sejam capazes de repassar esse custo adicional ao CVU (custo variável unitário), métrica usada pelo ONS para definir a ordem de mérito e o despacho das usinas. Como o CVU influencia diretamente o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças), um aumento no CVU das térmicas pode elevar o preço da eletricidade, impactando o mercado de curto prazo. 

As análises da Aurora Energy Research indicam que esse novo cenário pode favorecer tecnologias que geram energia nos períodos de operação das térmicas. Usinas eólicas, por exemplo, podem se beneficiar da elevação dos preços nesses horários, tornando-se mais competitivas na matriz energética. Com a maior participação de fontes renováveis, espera-se uma redução na necessidade de despacho das térmicas, o que levaria a uma queda expressiva nas emissões do setor. Modelagens da Aurora apontam que essa transição pode evitar a emissão de até 140 milhões de tCO₂e na primeira década de funcionamento, o equivalente a 40% das emissões do setor no período 

Além da redução de emissões, o mercado de carbono pode gerar até R$ 3 bilhões em receitas anuais para o governo, fortalecendo políticas de transição energética e inovação tecnológica no setor. 

Próximos passos 

A implementação do mercado regulado será feita em 5 etapas e durará cerca de 5 anos. Com isso, é previsto que o mercado estará em pleno funcionamento entre 2029 e 2030. Esse período possibilitará que os agentes participantes se preparem para todas as mudanças que o mercado conduzirá. Para auxiliar nesta preparação, a Aurora Energy Research, consultoria líder sobre o setor elétrico em nível mundial, preparou um Webinar público explicando todos os detalhes do setor. Ele ocorrerá na próxima quarta-feira, dia 19/03, e contará com especialistas brasileiros e europeus no assunto. As inscrições estão abertas neste link

*Andersen Barreto Müller é Research Analyst na Aurora Energy Research 

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As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.