A expansão da abertura do mercado livre de energia em curso é uma oportunidade para a construção de um modelo de mercado mais eficiente, transparente e competitivo. Para que esses benefícios se concretizem, é imprescindível a existência de um arcabouço regulatório sólido e bem calibrado, que garanta que a transição de mais clientes para o Ambiente de Contratação Livre (ACL) ocorra de forma estruturada, preservando a sustentabilidade econômica do setor elétrico como um todo, e promovendo ganhos reais em termos de qualidade do serviço, eficiência econômica e liberdade de escolha.
Para tanto, é necessário aperfeiçoar os instrumentos regulatórios relacionados à simplificação dos processos de migração, à garantia da concorrência justa e à implementação do open energy. Tais instrumentos devem estar ancorados em princípios de estabilidade regulatória, neutralidade dos agentes incumbentes, interoperabilidade dos sistemas e proteção aos direitos dos consumidores, garantindo que os ganhos da liberalização sejam perenes e amplamente distribuídos. Esse aprimoramento da regulação deve se dar, portanto, com foco num ambiente regulatório que proporcione sustentabilidade, segurança e equilíbrio não apenas para os diversos agentes do setor, mas também para a sociedade como um todo.
Nos debates sobre o assunto, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) acerta em diversas propostas trazidas no âmbito da consulta pública nº 07/2025, como é o caso do estabelecimento de um canal padronizado e de fácil acesso sobre a migração. Essa medida busca permitir a uniformização dos procedimentos em todo o país, beneficiando especialmente consumidores e empresas com unidades consumidoras em áreas de diferentes concessionárias, reduzindo a assimetria regulatória e os custos de transações.
Outra mudança relativa à simplificação das regras é a possibilidade de que o processo de migração se inicie diretamente junto ao comercializador escolhido pelo consumidor, antes da comunicação à distribuidora. Essa flexibilização reduz barreiras de entrada, elimina etapas burocráticas desnecessárias e aproxima o setor elétrico de práticas bem-sucedidas observadas em mercados mais maduros, como o de telecomunicações e o bancário. Ela também fortalece o poder de escolha do consumidor, elemento central em mercados liberalizados.
Além disso, também faz sentido a proposta do regulador de reduzir de 180 para 90 dias o prazo para a migração. Afinal, os novos entrantes tendem a ser consumidores de porte relativamente pequeno, cujas migrações representam menor impacto operacional para as distribuidoras, tornando o prazo atual um desincentivo desproporcional à livre escolha do consumidor.
Ao mesmo tempo, a distribuidora deve assegurar que, uma vez aprovado o pedido de migração, o consumidor seja transferido ao mercado livre de forma imediata e sem interrupções. O não cumprimento dessa obrigação, especialmente em caso de falhas que atrasem ou impeçam a migração, não pode resultar em penalização financeira para o consumidor, devendo este estar resguardado de quaisquer ônus decorrentes deste atraso. A previsibilidade e continuidade no fornecimento são elementos fundamentais para a confiança no processo de abertura do mercado de energia elétrica.
Quanto à concorrência, a Aneel também acerta ao propor a criação de um dispositivo normativo que vede expressamente condutas anticoncorrenciais por parte das concessionárias de distribuição. A vedação a práticas discriminatórias por agentes com poder de mercado é essencial para assegurar um ambiente de competição saudável, evitando distorções e abusos que comprometam a eficiência alocativa do sistema. Também deve ser vedado qualquer tipo de comportamento, nos grupos empresariais, que beneficie, direta ou indiretamente comercializadoras ligadas a distribuidoras. Entre essas condutas, destacam-se a priorização indevida de atendimentos, exigências técnicas assimétricas, como também o uso de marca, logotipo e identidade visual idêntica que possa gerar confusão por parte do consumidor, em relação à empresa. Referidas práticas devem, assim, ser coibidas, com rigor e clareza normativa.
Por fim, a implementação do open energy é fundamental para aumentar a autonomia dos consumidores e promover a concorrência no mercado. Para ser eficaz, esse instrumento precisa ser implementado com governança robusta, interoperabilidade digital, regras claras de consentimento e forte proteção de dados, garantindo acesso equitativo à informação, condição essencial para a tomada de decisão consciente e justa pelos consumidores.
A política de dados deve incluir medidas proativas de informação ao consumidor, como notificações na fatura, canais de atendimento acessíveis e ferramentas digitais amigáveis, como QR codes, que direcionem para plataformas seguras com explicações sobre o open energy, seus benefícios e o funcionamento do compartilhamento de dados com terceiros credenciados.
Somente com informação clara, acessível e segura é possível evitar que o desconhecimento técnico seja explorado comercialmente, enfraquecendo o princípio da livre escolha e comprometendo a integridade do processo concorrencial.
Regras claras, isonômicas e tempestivas sobre esses assuntos são essenciais para assegurar que todos os agentes do setor atuem em igualdade de condições e que os consumidores possam exercer seus direitos com autonomia, confiança e segurança. Para tanto, as normas em construção devem buscar o equilíbrio entre flexibilidade operacional, segurança jurídica e estímulo à inovação, sem que isso comprometa a neutralidade das distribuidoras nem crie obstáculos regulatórios à atuação de novos entrantes nesse mercado.
* Adriana Baratto é superintendente jurídica e regulatória da Electra Energy e presidente da Comissão de Energia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná.
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