Por: Thiago Silva*
O hidrogênio de baixo carbono tem recebido atenção mundial como vetor da transição energética. No Brasil, o debate se intensificou com o Programa Nacional do Hidrogênio – PNH2 e a recente criação da Comissão Especial para Debate de Políticas Públicas sobre Hidrogênio Verde no Senado Federal.
No ambiente de negócios atual, já existe muito interesse na geração da molécula. No entanto, enquanto não houver demanda e monetização da geração, acredito que a oferta será limitada a projetos pilotos. Por isso, é preciso discutir sobre o aumento da demanda de hidrogênio, de baixo carbono ou não.
Para isso, vale considerar a seguinte premissa: quanto mais fácil for a implementação de uma tecnologia, maior será sua adoção. A quantidade e complexidade de adaptações necessárias diminuem sua capacidade de penetração e, mesmo nos casos em que é financeiramente vantajosa, ainda pode encontrar barreiras. Por exemplo, usar gás natural canalizado em vez de chuveiro elétrico e gás de botijão é geralmente mais econômico, entretanto, um grande desafio das distribuidoras de gás natural no aumento do consumo residencial é a necessidade de adaptação das residências sem encanamento, devido ao transtorno e custo da obra de adaptação. Por outro lado, residências com gás canalizado dificilmente voltarão a usar botijão e chuveiro elétrico, pois quem está adaptado a uma tecnologia tende a continuar usando, mesmo que o custo do insumo varie um pouco. É mais fácil permanecer fazendo aquilo que já estamos habituados.
A mesma lógica se aplica ao uso do hidrogênio em processos industriais. As indústrias que já usam o insumo em suas atividades, como petroquímicas (refino), fábricas de hidrogenação de alimentos e indústria química em geral – destacando-se a produção de amônia, fertilizantes nitrogenados e metanol –, obrigatoriamente serão as primeiras a demandar o hidrogênio de baixo carbono, desde que haja motivos para isso. Isso irá ocorrer independentemente da pegada de carbono, por razões como estratégia da empresa para tornar seus negócios mais sustentáveis, por fins comerciais, receio de sanções governamentais, dificuldade de obter recursos financeiros ou imposição dos investidores e a busca por prêmios verdes para a adoção de alternativas mais sustentáveis.
Portanto, a questão não é tanto como fomentar a demanda, mas sim como e quem pagará por isso. É importante entender que o preço definirá que tipo de hidrogênio será demandado pela indústria, já que a molécula de baixo carbono é hoje e continuará sendo, por um bom tempo, significativamente mais cara que o hidrogênio tradicional.
Essa diferença de preço é chamada de prêmio verde e se aplica a qualquer indústria em que a solução sustentável seja mais cara que a tradicional, e, enquanto esta situação existir, alguém vai pagar pela conta, seja governo, empresas ou consumidores. É fundamental investir em formas de reduzir os custos e eliminar o prêmio verde, como ocorreu com a energia elétrica, por exemplo, onde as fontes solares e eólicas são atualmente mais econômicas, embora apresentem desafios como a intermitência. Isso só foi possível por meio de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção em massa na China.
Outras indústrias podem utilizar hidrogênio, mas têm formas mais econômicas de produção. Nesses casos, o desafio da adoção do hidrogênio de baixo carbono é ainda maior, pois, além do prêmio verde, são necessárias adaptações nos parques industriais, com impactos econômicos pela interrupção da produção e perda de faturamento. É o caso da siderurgia, que tem potencial de demanda e descarbonização com o uso de hidrogênio de baixo carbono. Nessas indústrias, os incentivos precisarão ser maiores, pois, para justificar o impacto de curto prazo, a alternativa precisa ser muito mais econômica no longo prazo ou deve haver uma penalidade significativa pela falta de mudança. Nesse contexto, se discute utilizar hidrogênio tradicional como forma de tornar a adaptação interessante sob o ponto de vista meramente econômico e, quando o prêmio verde deixar de existir, tornar a produção mais sustentável pela inexistência da barreira de adaptação do parque industrial.
Por fim, vale lembrar que a transição energética não é gratuita. Alguém sempre pagará a conta. Falta definir quem e quando essa conta será paga. Por exemplo, se os fertilizantes encarecerem, os alimentos ficarão mais caros. No Brasil, onde parte da população enfrenta escassez de alimentos, é mais importante garantir o acesso a alimentos ou reduzir a pegada de carbono? O que traz impactos mais significativos a longo prazo? Por outro lado, caso a transição energética não seja realizada a tempo, será que uma conta ainda mais alta virá no futuro? São perguntas complexas que nem sempre aceitam respostas no meio termo.
Thiago Silva é sócio da área de Petróleo, Gás & Offshore do Vieira Rezende Advogados.
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