A micro e minigeração distribuída (MMGD) deve ter uma expansão de 14,5 GW até 2029, chegando aos 50 GW, sendo a segunda maior fonte de geração de energia do país, atrás apenas da hídrica, segundo o Sumário Executivo do Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do Sistema Interligado Nacional – PAR/PEL 2024 para o horizonte de 2025 a 2029, publicado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O crescimento da MMGD é superior ao aumento projetado para a demanda por energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), aumentando a participação desta modalidade de geração no atendimento da demanda durante o dia. Assim, a chamada “rampa” da solar, hoje da ordem de 36,15 GW, chegará a 52,25 GW em 2029.
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Considerando as projeções de crescimento da carga e da geração, o ONS aponta que pode ser necessário cortar 40 GW em geração eólica e solar centralizada nos dias de menor demanda e maior geração solar distribuída em 2029, a fim de garantir o equilíbrio entre carga e geração no sistema e mitigar riscos de perda de controlabilidade da frequência. Os cortes, conhecidos pelo termo em inglês “curtailment”, podem ser ainda maiores se houver maior disponibilidade desses recursos.
O aumento da MMGD tende a reduzir a carga líquida mínima de determinados horários do dia, cenário que contrasta com a expansão da transmissão, setor projetado para atendimento da demanda máxima, deslocada agora para o período noturno. A mudança impõe desafios adicionais e reforça a necessidade de aumentar os investimentos em equipamentos capacidades de realizar controle dinâmico da tensão, como compensadores síncronos, por exemplo.
Segundo o Sumário do PAR/PEL, o período de 2025 a 2029 deve ter a contratação de 1.260 km em novas linhas de transmissão e 14.750 MVA em capacidade de transformação, envolvendo investimentos de R$ 7,6 bilhões, sendo R$ 5,8 bilhões em empreendimentos propostos pela primeira vez no ciclo de estudos.
Mais geração e transmissão no SIN
Os investimentos indicados refletem as previsões de crescimento da capacidade instalada de geração e do consumo de energia no país. Um dos pontos do estudo trata da ampliação dos limites de intercâmbio entre subsistemas, a fim de permitir melhor aproveitamento da geração renovável não despachável do Nordeste.
A capacidade de exportação das regiões Norte/Nordeste para as regiões Sudeste/Centro-Oeste, durante o período de ponta do sistema, poderá ter um acréscimo de 30% até o final de 2029, saindo de 15.600 MW, estimados para janeiro de 2025, para 20.500 MW. Já a capacidade de exportação do Sudeste/Centro-Oeste para o Sul deve aumentar em cerca de 20%, no mesmo período: de 10.500 MW (janeiro de 2025) para 12.500 MW (dezembro de 2029).
Segundo o plano da operação, ao fim de 2028, a capacidade instalada do Sistema Interligado Nacional (SIN) chegará a 251,6 GW, ante os 230,5 GW projetados para o fim deste ano. No horizonte do estudo, a geração eólica e solar centralizada terá aumento de 9,3 GW, chegando a 57,6 GW.
Se forem consideradas todas as usinas com Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (Cust) assinados, a capacidade do SIN pode chegar a 270 GW, com quase 80 GW nas fontes eólica e solar.
Já a carga máxima do SIN sairá dos 106,9 GW verificados em 2024 para 119,7 GW em 2029, aumento de 12%.
‘Desafios consideráveis à operação’
Embora a MMGD represente “um dos pilares” da transformação energética, “ela impõe desafios consideráveis à operação do sistema elétrico, dentro os quais destacam-se a necessidade de maior flexibilidade operativa, a gestão de restrições na rede de transmissão e o suporte para o desempenho dinâmico do sistema”, diz o sumário do plano de médio prazo do ONS.
O cenário atual já é crítico. Considerando ainda os 19,8 GW instalados em usinas classificadas como Tipo-III, conectadas diretamente à rede de distribuição, são cerca de 53 GW, ou 22% da capacidade instalada do país, em geração sem supervisão em tempo real ou despacho para apoiar nas necessidades do sistema, sem relacionamento com o ONS ou com a operação.
A menor carga líquida do SIN de 2024 foi registrada no dia 11 de agosto, um domingo, entre 10h e 13h, período em que a geração solar da MMGD contribuiu significativamente para atender a demanda. Naquele dia, às 13h, MMGD representou 28,7% da carga total, levando a demanda mínima a 41.412 MW, o que impõe desafios significativos à operação do sistema, muito além do simples corte da geração despachável.
Curtailment e desligamento de transmissão
No dia em questão, após esgotados todos os recursos disponíveis para controle de tensão, tais como desligamento dos bancos de capacitores, acionamento dos reatores, redução da tensão nas unidades geradoras das usinas e aumento da absorção de potência reativa nos compensadores síncronos e estáticos, ainda foi necessário efetuar o desligamento de 21 linhas de transmissão da Rede Básica, sendo 20 o número máximo de LTs desligadas de forma simultânea.
Houve redução de 47.641 MW em geração renovável variável por razões energéticas, devido à impossibilidade de acomodação da geração na demanda disponível.
Com o crescimento contínuo da participação da geração distribuída no atendimento à demanda, projeta-se um aumento na complexidade operacional, exigindo uma limitação adicional da geração centralizada para assegurar a confiabilidade e ajustar os recursos de geração à demanda líquida instantânea.
Nova distribuidora
Uma das principais conclusões neste cenário de expansão dos recursos energéticos distribuídos é a necessidade de as distribuidoras ou agregadores assumirem um papel mais ativo, atuando como operadores dos sistemas de distribuição (DSOs) e de forma coordenada com o ONS. Essa atuação é essencial para garantir a eficiência e segurança da operação do SIN em um contexto de crescente descentralização dos recursos de geração.
Segundo o sumário do PAR/PEL, é fundamental aprimorar a visibilidade desses recursos energéticos distribuídos dentro da operação, quando os DSOs terão função estratégica de permitir ao Setor Elétrico Brasileiro enfrentar os desafios da transformação energética e sustentar um crescimento alinhado às demandas de sustentabilidade.
Os estudos do ONS apontam ainda que nos próximos anos mais subestações poderão apresentar fluxo reverso de potência ativa em períodos caracterizados pela elevada geração na rede de distribuição e pela baixa demanda na região atendida pela subestação. Foi ainda verificada uma variação do número de subestações que apresentam problemas de sobrecarga em 2025, 2027 e 2029
Os estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Piauí apresentaram o maior número de subestações com possibilidade de operarem com o fluxo de potência ativa no sentido das redes de distribuição para o sistema de transmissão.
A introdução desses novos desafios para a operação em tempo real do SIN destaca a necessidade de aprimoramento do papel das distribuidoras, para que atuem como DSOs e possam controlar o despacho, ao menos parcialmente e temporariamente, dos recursos de geração em sua área de concessão conforme comandos do ONS, em situações que apresentem riscos ou problemas à segurança operativa dos equipamentos do sistema, segundo o operador.
Outra recomendação é pela necessidade de aprimoramento do arcabouço regulatório e contratual da tarifa fio, já que as regras foram concebidas para o contexto de fluxo unidirecional de energia, da transmissão para a distribuição. “Em um cenário de fluxos bidirecionais, característico do sistema atual, torna-se imprescindível rediscutir a alocação de custos, os critérios para expansões e as bases para tomadas de decisão, de modo a refletir adequadamente a nova dinâmica operacional do Setor Elétrico Brasileiro”, diz o documento.