
Os cortes de geração renovável por razão energética, quando a oferta é maior que a demanda, devem se tornar ainda mais predominantes nos próximos anos, segundo análise do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Em 2029, o operador prevê cortes que chegam a até 20 GW durante o dia, sendo que 96% dos eventos devem ser classificados como razão energética.
A análise é de um relatório técnico preparado pelo ONS para discutir diagnóstico e perspectiva da evolução do curtailment no país e fornecer ao Grupo de Trabalho Cortes de Geração e ao Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) uma base sólida para futuras decisões relacionadas ao tema.
Mesmo com reforços na rede de transmissão, parte dos cortes deve permanecer por razão energética, já que o excesso de oferta em relação à demanda continuará existindo, sobretudo no período diurno.
O cenário pode ser agravado se todos os projetos com contratos de uso da rede assinados forem construídos e entrarem em operação. Se houver uma mudança nas regras que permita que a micro e minigeração distribuída (MMGD) tenha redução da geração, por sua vez, os geradores centralizados devem ver uma redução de até 50% o curtailment.
Cenários de expansão e os cortes
O ONS realizou vários cenários, para os quais adotou uma série de premissas técnicas com base nos dados passados de geração, carga e restrições, além de estudos de expansão do Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo (PAR/PEL) 2025.
No caso da carga, foi considerado o crescimento esperado por subsistema. Já a expansão da micro e minigeração distribuída (MMGD) seguiu as informações repassadas pelas distribuidoras, com expectativa de que essa modalidade atinja cerca de 53 GW de capacidade instalada até 2029.
Em um dia útil típico de 2029, a demanda líquida mínima deve acontecer às 13h, por conta da elevada inserção da GD solar, que nesse momento atende 44% da carga. O estudo do ONS aponta que será preciso fazer um corte de 19 GW de geração eólica e solar para assegurar o equilíbrio entre carga e geração.
“Essa análise reforça que os cortes por razões energéticas podem se tornar cada vez mais frequentes passando a ocorrer com elevadas magnitudes inclusive em dias úteis, principalmente devido ao aumento da geração eólica, fotovoltaica e MMGD, que cresce em proporção maior que o aumento da demanda de energia durante o período diurno”, diz o relatório.
MMGD e expansão da geração centralizada
Segundo o ONS, se houvesse rateio proporcional das restrições entre todas as fontes, incluindo MMGD e GD, os cortes nas usinas centralizadas poderiam ser reduzidos em cerca de 46% a 50%.
O cenário dos cortes fica ainda mais complexo para as geradoras se todas as usinas que já assinaram Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (Cust) entrarem em operação.
Neste caso, o curtailment pode chegar a picos de quase 32 GW. Mesmo se a MMGD for incluída no corte, a redução será menor, de 41%.
Considerando essa expansão dos projetos que têm Cust assinado, o curtailment médio da fonte eólica pode chegar a 10%, enquanto a fonte solar fotovoltaica pode chegar a 20%, o que, segundo o ONS, evidencia a necessidade de novas estratégias de gestão e flexibilidade no sistema.
O ONS considera que a inclusão da MMGD e GD em estratégias de flexibilidade operativa, como o rateio proporcional das restrições, poderia reduzir substancialmente o ônus atualmente concentrado nas usinas centralizadas.
Aumento exponencial das renováveis
A análise destaca o crescimento expressivo das renováveis como uma das razões do aumento dos cortes de geração nos últimos anos, já que a carga não acompanhou o seu ritmo.
Em 2021, o parque gerador no Nordeste alcançou 21,1 GW em operação, seguido por 27,2 GW em 2022, 33,4 GW em 2023 e 39,4 GW até fevereiro de 2025, considerando apenas as usinas renováveis variáveis de maior porte no Nordeste.
De forma mais ampla, considerando a evolução da capacidade instalada de usinas eólicas, fotovoltaicas e MMGD no Sistema Interligado Nacional (SIN), no período de agosto de 2021 a abril de 2025, o ONS verificou que em agosto de 2023, o sistema já contava com quase 60 GW de potência instalada somando essas três fontes.
Desde então, o crescimento conjunto dessas fontes foi de aproximadamente 30 GW, representando um aumento de cerca de 50% de fontes variáveis, concentrado majoritariamente na região Nordeste e em volume superior ao crescimento da carga do SIN (e da região Nordeste) no mesmo período
Em 2024, as restrições por razão energética totalizaram cerca de 4.330 GWh ou 493 MW médios, com um pico máximo, em dados semi-horários, de 22.766 MW médio.
MMGD e GD a zero ou rateio proporcional
O ONS usou cenários hipotéticos para avaliar os cortes provenientes do aumento da MMGD e GD, considerando que em 2024 a geração dessas modalidades seria zero.
Nos estudos do operador, sem MMGD e GD, haveria redução de 83% no valor máximo de restrição por razão energética, em dados semi-horários, saindo de 22.766 MW médios para 3.848 MW médios.
Sem esses recursos distribuídos, a restrição média reduziria de 493 MW médios para menos de 1 MW médio, levando à redução da energia total restrita quase em sua totalidade, de 4.330 GWh para 7,6 GWh
Outro cenário analisado pelo operador considerou a aplicação de um rateio proporcional das restrições por razão energética entre a geração de eólicas e solares centralizadas, GD e a MMGD.
Com base nessa premissa, os resultados demonstraram redução da restrição média nas fontes centralizadas de 493 MW médios para 263 MW médios.
Também haveria redução de 46% na restrição de energia anual, de 4.330 GWh para 2.315 GWh, das usinas centralizadas.
Geração da MMGD e GD
A MMGD, que já ultrapassou 40,4 GW de capacidade instalada e deve atingir 53 GW até 2029, opera sem supervisão ou controle operacional pelo ONS.
Em 2024, a geração estimada proveniente da modalidade alcançou um valor máximo de geração de 23.741 MW médios, em dados semi-horários, e acumulou 45.752 GWh de energia gerada. Por outro lado, a GD atingiu um valor máximo de 6.162 MW médios em dados semi-horários, e acumulou 44.436 GWh de energia.
Como os recursos energéticos distribuídos (Reds) não estão sob a gestão do ONS, suas contribuições à sobreoferta de energia não são passíveis de controle direto, aumentando a severidade das restrições impostas às fontes renováveis centralizadas.
Recomendações futuras do ONS
Por isso, o operador recomenda a modernização do marco regulatório da GD, com a criação de mecanismos que permitam o controle operacional desses recursos em situações de sobreoferta de energia, além de sua inclusão em eventuais rateios de cortes de geração.
O relatório também propõe a revisão dos critérios de conexão à rede para usinas eólicas e solares, com exigência de modelos matemáticos que reflitam com precisão o desempenho dinâmico dessas instalações. A discrepância entre os modelos apresentados pelos agentes e o comportamento real das usinas foi uma das causas apontadas para a perturbação ocorrida em agosto de 2023, que levou à redefinição dos limites operativos do sistema e à intensificação dos cortes por confiabilidade.
Outro ponto destacado é a necessidade de maior integração entre o ONS e as distribuidoras, com definição de atribuições operacionais e mecanismos institucionais que viabilizem o gerenciamento coordenado das redes de distribuição. O operador também sugere a revisão dos sinais tarifários aplicáveis à geração distribuída, para que os custos operacionais gerados por essas unidades sejam adequadamente refletidos nas tarifas.
Além disso, o ONS recomenda o fomento à inovação regulatória, com a criação de ambientes experimentais (sandboxes) para testes de soluções que possam ampliar a flexibilidade operativa do sistema. O fortalecimento da infraestrutura de transmissão, incluindo a instalação de equipamentos como compensadores síncronos no Rio Grande do Norte, também é considerado essencial para reduzir o curtailment.
Por fim, o relatório reforça a importância de embasar políticas públicas e decisões setoriais em análises técnicas aprofundadas, como forma de assegurar uma transição energética eficiente, segura e equilibrada entre os diversos agentes do setor.