A ENBPar, estatal que administra a Eletronuclear e a participação brasileira em Itaipu, pode precisar fazer um aporte de cerca de R$ 700 milhões na tarifa para evitar um reajuste tarifário e manter o compromisso firmado com o Paraguai no ano passado, depois que um erro de cálculo levou a um descasamento entre a tarifa repassada ao consumidor e a receita prevista para 2025.
A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) discutiu a questão durante a reunião desta terça-feira, 4 de fevereiro, e deu um ultimato, na forma de um prazo de 15 dias, para que a ENBPar e o Ministério de Minas e Energia (MME) apresentem uma solução concreta para evitar um aumento expressivo na conta de luz.
Sem um aporte, a tarifa do consumidor pode ter um acréscimo de US$ 120,9 milhões (equivalentes a cerca de R$ 700 milhões, no câmbio atual), o que representaria impacto de 5,99% sobre a tarifa de repasse, que é dolarizada. O montante já considera o saldo negativo estimado para a Conta de Comercialização de Itaipu de 2024, de R$ 333 milhões, mais o aumento do custo de cessão calculado para 2025.
Outra possibilidade seria o governo alterar o Decreto 11.027/2022, que definiu as regras da comercialização da energia de Itaipu Binacional.
Erro na hora de ‘calibrar’ tarifa
O problema foi sinalizado pela Aneel em dezembro de 2024, na hora de calcular a tarifa de repasse de Itaipu para 2025. Na ocasião, o diretor Fernando Mosna, relator do processo na Aneel, explicou que houve um erro na hora de “calibrar” o aporte que a usina binacional deveria fazer para manter a tarifa inalterada entre 2024 e 2026, apesar de um acordo com o Paraguai para subir a tarifa.
O acordo entre Brasil e Paraguai, firmado em maio, manteve o Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade (Cuse) de Itaipu em US$ 19,28/KW.mês em 2024, 2025 e 2026. Foi feito um arranjo, porém, para manter do consumidor brasileiro a cobrança de US$ 16,71/kW.mês, valor que já tinha sido aprovado, provisoriamente, no fim de 2023, mais uma cobrança de US$ 0,95/kW.mês referente ao custo da energia cedida ao Brasil, chegando à tarifa de US$ 17,66.
Para garantir a tarifa mais baixa, Itaipu se comprometeu a aportar US$ 300 milhões por ano para subsidiar o Cuse ao consumidor brasileiro. Na prática, a ENBPar paga para a Conta de Comercialização de Energia Elétrica de Itaipu o valor de US$ 19,28, mas a binacional devolve para a sua controladora a diferença equivalente a US$ 2,57, e o aumento não chega a ser cobrado das distribuidoras de energia.
Segundo Mosna, o provisionamento foi calculado com base no Cuse estimado, mas a tarifa de repasse é uma somatória do Cuse com outras componentes, valores que não ficaram cobertos.
Isso foi constatado pelas áreas técnicas da Aneel, que estimam que a Conta de Comercialização de Itaipu deve fechar 2024 com saldo negativo de R$ 332,6 milhões – o número definitivo será conhecido em abril. Conforme a análise, considerando o déficit e o custo necessário para cobertura dos custos envolvidos, a tarifa deste ano deveria ser de R$ 18,72/kW.mês, acima do que foi estabelecido no compromisso entre Brasil e Paraguai.
Sem resposta do governo
Diante da impossibilidade de cumprir todas as regras, a Aneel decidiu prorrogar a tarifa vigente, sem aumento, até 31 de março, e deu 45 dias ao governo para uma explicação, prazo que termina amanhã, 5 de fevereiro.
Desde então, a Aneel enviou ofícios ao MME e à ENBPar solicitando retorno, e em 27 de janeiro a estatal pediu a prorrogação do prazo por 45 dias para apresentar uma resposta, argumentando a complexidade do tema para isso.
“Durante os 45 dias originalmente concedidos para manifestação do MME e da ENBPar, não houve qualquer solicitação formal de reunião, tentativa de diálogo com este relator ou seu gabinete, nem comunicação sobre eventuais avanços na formulação de uma alternativa concreta para o equacionamento da questão”, disse Mosna na leitura do voto, com exceção de um contato recebido ontem, 3 de fevereiro, do diretor de Comercialização da ENBPar, Wander Azevedo, que pediu uma reunião presencial. O encontro que aconteceu ontem mesmo, na Aneel.
Ele refutou a justificativa do pedido de adiamento, já que seria preciso apontar de forma objetiva os aspectos técnicos que demandam análise adicional, e disse que a Aneel não aguarda “meramente informações ou sugestões do MME e da ENBPar, mas sim a comunicação formal de uma solução concreta”.
Duas possibilidades na tarifa
Para o diretor, há duas possibilidades: aumentar o custo repassado ao consumidor, ou definir e implementar uma estratégia para evitar o repasse dos custos, por meio de aporte complementar de Itaipu Binacional na Conta de Comercialização de Itaipu ou alteração do Decreto 11.027/2022, das regras da comercialização de energia da usina.
O prazo de 15 dias foi concedido de forma “excepcional” pela diretoria da Aneel, dada a relevância do tema e a necessidade de uma decisão célere, embora os diretores tenham avaliado que a agência já deu prazo suficiente antes para uma resposta do governo e da estatal.
“Caso, ao final desse novo prazo, nenhuma solução concreta seja apresentada pelo MME e pela ENBPar, a questão será imediatamente submetida à deliberação da diretoria da Aneel, com a inclusão do valor na tarifa de repasse, nos termos da regulamentação vigente”, disse o voto aprovado por unanimidade da diretoria.