Custo térmico

Flexibilizar intercâmbio de energia entre Brasil e Argentina pode reduzir custo de térmicas

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Foto: Pixabay/Cristian Cortez

Os atuais requisitos brasileiros para intercâmbio de energia entre Brasil e Argentina não levam a um uso otimizado dos recursos hídricos brasileiros e de geração térmica a gás argentina. A avaliação é de Esteban Kiper, ex-gerente-geral da Companhia Administradora do Mercado Atacadista de Energia Elétrica (CAMMESA) – entidade que planeja a operação do sistema elétrico da Argentina.

Na avaliação do especialista, que atualmente é consultor de energia da Organização Latinoamericana de Energia (Olade), Brasil e Argentina apresentam complementaridade em relação aos períodos de energia mais cara.

Na Argentina, a energia encarece no período de inverno, que geralmente começa em abril e vai até setembro ou outubro, em função do uso para aquecimento. Este é também o período em que os reservatórios hídricos no Brasil estão mais cheios, após acumular água no período úmido. Mesmo assim, Kiper avalia que há capacidade ociosa.

Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) indicam que, entre janeiro de 2023 e julho de 2025, a energia armazenada (EAR) no subsistema Sudeste/Cento-Oeste, por exemplo, atingiu o nível máximo de 86,6%, em junho de 2023, e ficou na casa dos 70% em junho dos anos seguintes.  

Já entre setembro e março, quando o inverno se ameniza na Argentina, as estruturas de geração térmicas ficam mais ociosas e o preço da energia abaixa. No Brasil, este é o momento em que as térmicas são geralmente acionadas, gerando uma energia mais cara. A proposta seria, então, aumentar a importação de energia da Argentina, que tem neste período um custo de geração mais baixo.

“O preço mais caro para a energia na Argentina, em geral, coincide com o momento em que os reservatórios estão mais cheios no Brasil”, disse o consultor em evento organizado pela Tecpetrol para a imprensa brasileira em agosto, no Rio de Janeiro. “Isto nos dá a ideia de que poderia existir a possibilidade de aprofundar os intercâmbios entre a Argentina e o Brasil, fazendo com que esta curva de esvaziamento dos reservatórios [no Brasil] seja um pouco mais suave, absorvendo a importação da geração térmica argentina e aumentando a geração hídrica no período de inverno para exportar energia para a Argentina quando o preço na Argentina é mais caro”, resumiu.

Segundo Kiper, o custo de geração na Argentina entre outubro e abril (verão) é de US$ 40 a US$ 45 por MWh, enquanto no inverno chega a US$ 150 por MWh. Assim, no verão, o Brasil poderia importar energia a cerca de US$ 40 por MWh, e estocar água em seus reservatórios. No período de inverno, quando a demanda da Argentina cresce, a energia armazenada como água poderia ser exportada para a Argentina, a cerca de US$ 100 por MWh.

Em sua avaliação, a redução na geração brasileira por conta da importação não contaria para o mecanismo de realocação de energia (MRE), uma vez que a importação seria considerada geração hidrelétrica atribuída pelo ONS.

A proposta de Kiper avalia que o ONS deve contabilizar a cota incremental acima do cenário sem importações como energia comercializável. Essa energia deve ser a primeira a assumir o risco de vertimento. E, por outro lado, essa energia seria um ativo da comercializadora, que poderia vendê-la fora do MRE, no mercado livre, no mercado de curto prazo, ou como exportação para Argentina ou Uruguai.

Assim, os riscos do negócio ficariam com as comercializadoras privadas. “O principal risco que poderia haver nessa situação é o de vertimento: que venha muita água e que a energia armazenada precise ser vertida. Este é um risco que seria tomado pela iniciativa privada que, se avaliar que um ano será mais seco, poderia não fazer as operações”, diz o especialista.

Requisitos para intercâmbio dependem do MME

A importação de energia para o Brasil é definida por portarias do Ministério de Minas e Energia (MME). São usados como critérios o preço de liquidação de diferenças (PLD), buscando uma otimização no longo prazo dos recursos energéticos brasileiros e o menor custo de geração. A operação é feita pelo ONS com base nos parâmetros definidos pelo MME.

Entretanto, pontua Kiper, os preços avaliados são apenas os do Brasil, e não entram no cálculo os preços de energia na Argentina ou em outros países da região. Ou seja, o critério de operação limita a possibilidade de guardar energia nos reservatórios para exportá-la mais cara no futuro.

“Então, se o Brasil está bem hidrologicamente e, em setembro de um ano, avalia que em julho do ano que vem terá um custo próprio da sua energia a US$ 40 o MWh, e a Argentina lhe oferece a US$ 45 o MWh, o Brasil recusa. Agora, o que o ONS não está olhando é que em julho do ano que vem poderia vender a energia para Argentina a US$ 100 dólares o MWh”, argumenta.

Como os requisitos de intercâmbio são definidos pelo MME, para que o sistema proposto pelo especialista seja possível, seriam necessárias revisões nas portarias do ministério, além de mudanças na metodologia de cálculo do PLD e nos modelos de despacho.

Infraestrutura e volume potencial das importações

Atualmente, o intercâmbio de energia com a Argentina é feito pela conversora de Garabí, na fronteira entre os dois países. A instalação tem capacidade instalada de 2.100 MW, mas o período de maior uso foi em 2023, quando alcançou 900 MW médios anuais, com um fator de uso de 45%, calcula Kiper.

O especialista avalia que o uso integral da estrutura não causaria grandes impactos ao sistema brasileiro. “100% de uso da conversora durante seis, sete meses, representa cerca de 10.900 MW, que são 5% da capacidade dos reservatórios do sistema brasileiro. Ou seja, é uma magnitude pequena”, diz.

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