
Agentes e associações de energia se manifestaram em apoio às agências reguladoras do setor. No fim de maio, o Governo Federal publicou o Decreto nº 12.477/2025, que estabeleceu cortes nos orçamentos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), na ordem de R$ 38,62 milhões e de R$ 34,9 milhões, respectivamente.
Com isso, o orçamento da Aneel para 2025 passou de R$ 155,64 milhões, valor que já era abaixo dos R$ 239,76 milhões inicialmente solicitados pela agência, para R$ 117,01 milhões. Na ANP, a verba passou de R$ 140,6 milhões para R$ 105,7 milhões.
As restrições levaram à redução no horário de funcionamento de ambas as agências, que passam a operar das 8h às 14h.
A agência de óleo e gás suspendeu o Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) durante todo o mês de julho, em função das restrições orçamentárias. Dias antes, a ANP já havia anunciado, pela segunda vez em menos um ano, a suspensão das transmissões ao vivo das reuniões da diretoria, audiências públicas, seminários, workshops e demais eventos por meio do YouTube.
Na Aneel, o corte levará à redução das ações de fiscalização com equipe própria, suspensão de atendimento ao público externo realizado por chat humano no portal, e de consultas e audiências públicas, inclusive as relacionadas à revisão da tarifa de energia elétrica.
Manifestação do mercado e agências
A Frente Nacional dos Consumidores de Energia (FNCE) lamentou a demissão de 145 trabalhadores terceirizados da Aneel, uma das medidas anunciadas pela agência para cumprir o novo orçamento.
“A dispensa de 15% da força de trabalho do órgão regulador compromete drasticamente o funcionamento da instituição e evidencia o tamanho da falta de compromisso e responsabilidade do Governo Federal e do Congresso Nacional em relação à governança do setor elétrico, a exemplo do que o país testemunhou na última semana por ocasião da derrubada de vetos na lei das eólicas offshore”, diz carta da Frente. A entidade traça um paralelo de que o valor dos cortes à Aneel com o custo dos jabutis da lei das eólicas offshore: “equivale a menos de 0,5% do custo anual dos jabutis”, calcula.
A FNCE também critica a falta de nomeações para a diretoria da agência, que atualmente conta com duas cadeiras vagas, ocupadas por servidores de forma substituta. “Ministério de Minas e Energia (MME) e Senado travam uma disputa improdutiva por indicações políticas, enquanto o corpo técnico do órgão vai sendo cada vez mais sobrecarregado e a população fica cada vez mais insatisfeita”, diz a carta.
Na ANP, o superintendente de Participações Governamentais, Bruno Caselli, ocupa desde a última sexta-feira, 21 de junho, a cadeira de diretor-geral interino. Esta é a sexta nomeação temporária da agência desde 2023. Já na Aneel, o colegiado possui duas cadeiras vagas ocupadas por interinos: a de Helvio Guerra, que saiu em maio de 2024 e ainda não teve substituto indicado, e a de Ricardo Tili que deixou o colegiado em maio deste ano.
Advogados se unem pelas agências
Advogados que atuam no setor elétrico também divulgaram carta em defesa da autonomia financeira da Aneel. Eles avaliam que a complexidade do setor elétrico brasileiro é “evidente e crescente”, o que faz da atuação da Aneel ponto fundamental para a segurança jurídica do setor, a atratividade de investimentos e a proteção de direitos tanto de investidores quanto de consumidores de energia.
“Qualquer abalo na estrutura de governança setorial afeta diretamente a atratividade do Brasil como destino de investimentos tão cruciais – principalmente neste momento em que o país pleiteia ser um dos líderes em matriz elétrica renovável e na transição energética global”, pondera o texto.
Os advogados também lembram que o orçamento da agência não corresponde à Taxa de Fiscalização pelo Serviço de Energia Elétrica (TFSEE), instituída como fonte de custeio das atividades da Aneel e que arrecadou R$ 1,25 bilhão em 2024. “A redução orçamentária, portanto, além de ameaçar o funcionamento de um setor vital para a economia brasileira, não condiz com o volume arrecadado pela Agência dos seus agentes regulados por meio da taxa”, argumenta o texto.
A carta é assinada pelos advogados Ana Karina Souza, Giovani Loss, Maria João Pereira Rolim, Raphael Gomes, Rosi Costa Barros, Rodrigo Machado, Isabel Lustosa, Jose Virgilio Enei, Livia Amorim, Pedro Dante, Laura Souza, Fabiano Brito, Ligia Pereira Schlittler, José Roberto Oliva Junior, Débora Yanasse, Daniel Szyfman, Mariana Amim, Tiago Kümmel Figueiró, Ana Carolina Calil, Bruno Crispim, Paulo Machado, Felipe Feres, Leonardo Miranda, Maria Fernanda Soares, Bruno Chedid, Sofia Barbosa, Henrique Reis e Nilton Mattos.
Combustíveis
Entidades do setor de combustíveis e biocombustíveis também se manifestaram contra os cortes orçamentários na ANP. Para atender ao novo orçamento, a agência comunicou medidas como a suspensão do Programa de Monitoramento da Qualidade dos Combustíveis (PMQC) durante o mês de julho e a redução de recursos destinados à fiscalização.
“As medidas anunciadas pela agência são ainda mais trágicas para o setor neste momento em que se observa claramente o escalonamento do mercado irregular”, diz a carta. As entidades lembram que em 2024 o programa foi suspenso por dois meses, período em que as irregularidades chegaram a 40% em algumas regiões. “Sem o PMQC, a capacidade de identificar e combater fraudes fica comprometida”, lamentam.
As associações também registram que o enfraquecimento da ANP pode levar a aumento de riscos à segurança veicular, à integridade dos motores e à saúde pública, além de favorecer concorrência desleal e prejuízos à arrecadação tributária, “sendo um atrativo para criminosos no setor de combustíveis”.
Assinam a carta: Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), Federação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis, Gás Natural e Biocombustíveis (Brasilcom), Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustiveis), Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) e Sindicato Nacional Transportador Revendedor Retalhista (SindTRR).
Evolução dos orçamentos e cenário internacional
A ANP calcula que seu orçamento passou de R$ 749 milhões em 2013 (valor corrigido pela inflação) para R$ 134 milhões em 2024 (-82%). Para 2025, com os recentes cortes, o orçamento será ainda menor, de R$ 105,7 milhões.
Em publicação no LinkedIn, a gerente de Regulação Econômica da Aneel Flávia Lis Pederneiras demonstra que o orçamento da Aneel também caiu com o tempo, passando de mais de R$ 700 milhões em 2021 para os atuais R$ 117,01 milhões.
Pederneiras ainda compara o orçamento, número de servidores e indicativos do setor elétrico no Brasil e no Reino Unido. Segundo a especialista, o Office of Gas and Electricity Markets (Ofgem) gerencia metade da capacidade instalada e de rede de transmissão do que a Aneel. Em relação ao número de distribuidoras, no Reino Unido há 14, enquanto o Brasil tem 103. Apesar disso, o Ofgem tem 1.885 trabalhadores, contra 1.065 da Aneel, e o orçamento discricionário da entidade britânica também é cerca de três vezes maior que o da Aneel.
A escolha pelo Ofgem se deu por ser a Grã-Bretanha “referência em regulação e estado mínimo”, explicou Pederneiras.