Em representação assinada nesta semana, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MP-TCU), Lucas Furtado, solicitou que a Corte analise indícios de irregularidades na condução do Leilão de Reserva de Capacidade (LRCap) pelo Ministério de Minas e Energia (MME), principalmente em relação ao atraso na realização do certame e ao fato de que isso possa estar ligado ao benefício de empresas.
Furtado também pediu a fiscalização do TCU sobre possíveis favorecimentos indevidos e distorções no mercado de energia. O LRCap de 2025 foi cancelado em abril deste ano, após disputas judiciais entre grupos de gás natural e biocombustíveis envolvendo o Custo Variável Unitário (CVU) máximo e o critério de flexibilidade, conhecido como fator “a”, utilizado no cálculo da disponibilidade de potência termelétrica.
Em julho, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que a consulta pública para o novo leilão seria aberta nos próximos dias, viabilizando a realização do certame apenas em 2026. Após o período de contribuições, será divulgada a nova data oficial.
Segundo o subprocurador, o adiamento pode comprometer a segurança energética do Brasil e configurar falha na gestão pública e na tomada de decisões estratégicas para o setor elétrico.
Furtado ainda destacou que “há indícios preocupantes de que o adiamento do leilão possa estar relacionado a interesses de empresas que atualmente não podem participar do certame devido a contratos vigentes”, mas não cita quais companhias seriam beneficiadas. Para ele, a situação pode configurar violação aos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, além de prejudicar a competitividade e eficiência do mercado.
Pedido do MP-TCU
Para justificar seu pedido, Furtado citou questionamentos da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage) publicadas em matérias jornalísticas recentes. Entre os argumentos da entidade está o risco de insegurança no fornecimento de energia a partir de 2026.
De acordo com a presidente da Abrage, Marisete Pereira, há necessidade urgente de adicionar ao sistema cerca de 5 GW de potência para atender à demanda crescente e evitar apagões. Essa urgência decorre da expansão acelerada de fontes intermitentes, como solar e eólica, que exigem recursos capazes de responder de forma imediata às variações na geração.
Para a Abrage, o LRCap é essencial para garantir a segurança energética. Na representação ao TCU, o subprocurador ressaltou que a entidade não contestou as regras do certame, mas solicitou a inclusão de um produto adicional hidrelétrico para 2029, já que o modelo previsto contemplava apenas termelétricas.
O que o TCU pode analisar?
Após a exposição dos argumentos, Furtado pediu ao TCU que avalie os indícios de irregularidades na condução do leilão pelo MME, incluindo: os motivos do adiamento, eventuais falhas no processo conduzido pela pasta ou por outros órgãos e possíveis favorecimentos a empresas do setor.
Também solicitou a adoção de medidas urgentes para assegurar que o Leilão de Reserva de Capacidade seja realizado dentro do prazo necessário para atender às demandas do sistema elétrico.
No que se refere ao avanço das fontes intermitentes, o subprocurador ainda pediu uma análise sobre os subsídios às fontes incentivadas e a ausência de incentivos às hidrelétricas, “com o objetivo de garantir um mercado mais equilibrado e eficiente, além de proteger os interesses dos consumidores e a sustentabilidade do sistema elétrico”.
>> ONS terá apenas 45% da capacidade instalada sob controle direto até 2029.
Riscos de abastecimento
O governo não vê risco de abastecimento no curto prazo, porque o leilão iria contratar usinas existentes entre 2025 e 2027. Em julho, após o cancelamento do certame, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que trabalha com cenários em que, de fato, enxerga esgotamento dos recursos de reserva operativa já em 2025, cuja demanda seria da ordem de 4,2 GW.
Para evitar o déficit, foi necessário tomar uma série de medidas, incluindo a antecipação das termelétricas licitadas no LRCap de 2021. A próxima de janela de necessidade de potência é outubro de 2026, o que daria um “tempo razoável” para trabalhar o tema em consulta pública, encaminhar o edital e demais aprovações junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para o certame.
O ONS também está discutindo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e com os agentes formas de aumentar a flexibilidade na operação com aproveitamento de recursos existentes, incluindo cerca de 6 GW em pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e térmicas a biomassa, que podem ter capacidade de resposta de flexibilidade, ajudando a tornar a operação mais segura.
A partir de 2028, porém, há risco de déficit de potência se a contratação de nova capacidade não acontecer. As projeções do Plano Decenal de Energia (PDE) 2034, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e divulgado em julho de 2024, indicava um déficit de 5,5 GW em 2028, crescendo gradualmente nos próximos anos. Quanto mais o governo demorar para realizar o leilão, menor será o prazo para entrada em operação desses novos empreendimentos.