Camila Maia e Rodrigo Polito
Tradicionalmente conhecido como um setor seguro para investimentos no mercado de capitais, devido à estabilidade e previsibilidade regulatória, o segmento de energia elétrica brasileiro chacoalhou há dez anos quando foi editada a Medida Provisória 579, cuja publicação completará dez anos no próximo domingo, 11 de setembro.
A MP, que tratou da renovação antecipada e onerosa das concessões de energia elétrica, foi vista pelo governo da época como uma oportunidade para reduzir, de forma forçada, as tarifas de energia elétrica em aproximadamente 20%. Devido à instabilidade provocada no setor, o documento foi chamado de “O segundo 11 de setembro”, em referência ao ataque terrorista às Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, que chocou o mundo.
Para as concessões de geração e transmissão que venceriam por volta de 2015, o governo propôs renovar os contratos mediante uma mudança no regime. No caso das usinas hidrelétricas, a proposta envolveu a renovação da concessão por meio da remuneração por cotas, cujos valores seriam definidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A MP foi convertida na Lei 12.783/2013, e a Eletrobras, que possuía a maior quantidade de hidrelétricas próximas do fim do contrato e era controlada pela União, se viu “obrigada” a aderir à renovação proposta pela MP. A medida, porém, provocou uma redução brutal na geração de caixa da companhia, que levou anos para se recuperar financeiramente.
Outras geradoras, contudo, não aderiram à MP e tiveram as concessões encerradas nos anos seguintes. Essas concessões, então, foram leiloadas e arrematadas por diferentes companhias.
O impasse das usinas da Eletrobras que operavam sob regime de cotas só foi equacionado este ano, com a privatização da elétrica e a renovação do contrato de concessão dessas usinas, que agora podem negociar livremente a respectiva energia.
No caso da transmissão, a MP 579 determinou a prorrogação dos contratos de concessão de forma semelhante. Neste segmento, porém, um grupo elevado de empresas ainda tinha investimentos não amortizados. Os recursos para indenização das transmissoras eram oriundos da Reserva Global de Reversão (RGR) e da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), mas os dois fundos ficaram sem dinheiro. Esse cenário provocou uma extensa discussão sobre a remuneração da indenização dos ativos de transmissão não amortizados, imbróglio que dura até hoje.
Judicialização
Enquanto a Eletrobras, então controlada pela União, aceitou os termos da MP e teve as concessões renovadas nas condições menos atrativas do recém-criado regime de cotas, outras geradoras, como Cemig, Copel e Cesp, rejeitaram os termos propostos. A Cesp, na época estatal controlada pelo governo de São Paulo, entregou as usinas para serem relicitadas, e briga até hoje na Justiça para ser indenizada por uma delas, a Três Irmãos.
Já a estatal mineira Cemig decidiu brigar na Justiça pela renovação das concessões das hidrelétricas Jaguara, Miranda e São Simão nos termos existentes, pelo entendimento de que o contrato de concessão destas usinas permitia isso. A disputa durou até 2017, quando as liminares obtidas pela companhia foram superadas e o governo rejeitou os apelos finais da estatal por um acordo. As usinas foram, finalmente, relicitadas.
Outra briga na Justiça que se estendeu por anos foi referente às indenizações devidas às transmissoras que aceitaram as renovações nos termos da MP 579, referentes aos ativos não amortizados anteriores a maio de 2000 – conhecidos no setor pela sigla RBSE, que significa Rede Básica Sistema Existente.
O pagamento dessas indenizações foi definido por uma portaria de abril de 2016, mas o assunto voltou a ser discutido recentemente na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), depois que alguns geradores questionaram as premissas utilizadas no cálculo dos valores e da atualização financeira.
Mudanças nas regras
Em 2014, foi relicitada a concessão da hidrelétrica Três Irmãos, até então pertencente à Cesp. Único proponente na disputa, um consórcio formado por Furnas e um fundo de investimento, que posteriormente foi substituído pela Triunfo, arrematou a concessão ao oferecer um Custo de Gestão dos Ativos de Geração (GAG) de R$ 31,6 milhões ao ano, ou R$ 16,6/MWh por ano, para operar o empreendimento.
Aquele ano, contudo, foi marcado por uma grave crise hídrica, que levantou receios em todo o mercado a respeito das condições oferecidas para a operação dessas usinas. Em 2015, a presidente Dilma Rousseff editou a Medida Provisória 688, que foi convertida na Lei 13.203 e alterou o regime de cotas para novos projetos que fossem enquadrados nele.
A MP alterou a Lei 12.783 e passou a permitir que até 30% da garantia física das usinas relicitadas sejam vendidos no mercado livre. Na época, isso foi visto como um ponto que acrescentaria valor às concessões. Além disso, a MP mudou a forma como os ativos eram licitados, antes pelo maior desconto em relação à receita máxima, com a instituição da cobrança de um bônus pela outorga dos projetos.
A mudança na disputa trouxe uma alteração importante no regime de cotas, que passou a contar com receitas mais robustas para os novos concessionários – as chamadas cotas “gordas”. O primeiro leilão na nova regra, realizado em novembro de 2015, relicitou 29 hidrelétricas e garantiu uma arrecadação de R$ 17 bilhões para a União por meio do bônus da outorga. O preço médio da energia foi de R$ 124,88/MWh, muito acima dos cerca de R$ 30/MWh que seriam cobrados nos termos originais da MP 579.
Quer saber mais sobre a MP 579/2021? Confira o verbete sobre o tema na área de conhecimento da MegaWhat.