Opinião da Comunidade

André Pepitone escreve: Dois anos de gestão na Aneel

André Pepitone escreve: Dois anos de gestão na Aneel

Por André Pepitone 

O trabalho de liderar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é a maior honra de minha carreira, além de desafio único. A excelência do corpo técnico é reconhecida dentro e fora do Brasil. A transparência e a governança da agência são referências no governo e no mercado. Servidor de carreira da Casa, quando assumi o desafio de dirigir a agência sabia que tinha compromisso com o sucesso dos mais de 20 anos de história da instituição, mas também comprometimento com o futuro.

Os dois primeiros anos se passaram. Desde nossa posse, em agosto de 2018, a atual gestão da Aneel pautou o seu trabalho, diariamente, em entregas concretas para a sociedade: regras claras e transparentes que transmitam segurança e confiança aos consumidores e aos agentes de mercado, garantir melhoria da qualidade dos serviços, ampliação da oferta e, nosso maior desafio, a desoneração tarifária.

Todos os esforços estão canalizados para reduzir o peso da conta de luz no bolso do consumidor. Estamos animados, porque os resultados estão aparecendo.

Logo em 2018, a Aneel ajudou o Ministério de Minas e Energia (MME) a desenhar o decreto que iniciou a redução, ao ritmo de 20% ao ano, dos subsídios ao segmento rural, aquicultura e serviço público de irrigação, água, esgoto e saneamento. Até o final de 2020, a medida terá retirado R$ 1,5 bilhão das tarifas e ainda irá abater outros R$ 2,4 bilhões até 2023.

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Essa primeira vitória deixou claro que era possível, respeitando contratos e mantendo a sagrada segurança das regras, buscar soluções para reduzir as tarifas.

Colocamos abertamente para a sociedade o debate sobre subsídios, muitos deles justos em seus méritos, mas que acabam onerando sobremaneira serviço tão essencial como a energia elétrica.

Percorremos o país em dezenas de audiências públicas e o que mais ouvimos da população foi que, principalmente para os mais humildes, a conta de luz estava comprometendo parte significativa do orçamento doméstico. Isso é inadmissível no Brasil de hoje.

Em 2019, a partir de proposta desenhada dentro da Aneel, conseguimos acordo com o setor financeiro para antecipar a quitação do empréstimo da chamada Conta-ACR, após intensa negociação, da qual participaram, além da agência, o MME e a CCEE.

A antecipação da Conta-ACR retirou R$ 8,4 bilhões das contas de luz dos brasileiros e permitiu, somente em 2019, reduzir em média as tarifas em 3,62%. Entrega concreta à sociedade.

Este ano de 2020 trouxe desafios inimagináveis, em todas as frentes possíveis, com o advento da pandemia do novo coronavírus. Mas, citando aqui o economista Celso Furtado, ilustre conterrâneo da cidade de Pombal, situada no alto sertão paraibano: “Os problemas maiores da sociedade exigem um compromisso com a ação”. A situação exigia respostas rápidas e eficientes do regulador, e honramos nosso compromisso com a ação.

Do ponto de vista de seus impactos na tarifa, a turbulência gerada pela pandemia foi endereçada pela Conta-Covid, operação de crédito de R$ 15,3 bilhões, destinada a injetar liquidez no setor e, também, a amortecer o impacto das tarifas no bolso dos consumidores de energia elétrica.

Após muito trabalho e infinitas reuniões pelas plataformas virtuais, a Conta-Covid foi desenhada pela Aneel com o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Economia, o BNDES, a CCEE e os agentes do setor. Tínhamos uma proposta concreta em conjunto.

Para o consumidor de energia elétrica, a operação dilui em 65 meses custos que, sem ela, teriam de ser pagos nos próximos 12 meses.

A média dos próximos reajustes deverá ser até quatro vezes menor, justamente devido à Conta-Covid. Apenas para ilustrar, o processo tarifário da Enel-SP, em julho passado, embutiu a conta e foi amortecido de aumento médio de 12,22% para 4,23%. Esse alívio é fundamental em momento de queda de renda de parte substancial dos brasileiros.

Na mesma linha de cuidado com os consumidores e as pessoas, a Aneel aprovou logo em março, poucos dias após o primeiro caso oficial de Covid-19 no Brasil, a Resolução nº 878, que tratou de cuidar da segurança dos consumidores e dos funcionários das distribuidoras. Medidas que diminuíram a circulação de pessoas, como a opção de autoleitura e outros tipos de faturamento, somaram-se a ações como a proibição temporária do corte do fornecimento por inadimplência na conta de luz de residências e prestadores de serviço essenciais. Uma visão humanizada da nossa missão na instituição.

A Aneel vem dando exemplos de como a regulação é decisiva para manter o equilíbrio social e econômico daquilo que está sob sua responsabilidade. E não paramos por aí. Estamos cuidando também da segurança dos nossos profissionais, produzindo como nunca e ainda economizando dinheiro público.

O teletrabalho não abateu a equipe da Aneel. Pelo contrário, seguros em seus lares os servidores e colaboradores mostraram capacidade de resposta que elevou a produtividade. Levantamento pioneiro da Agência, depois seguido por outros órgãos do setor público, mostrou economia de gastos da ordem de R$ 15 milhões entre março e junho. 

Muitas áreas reportaram nesse mesmo período avanços incríveis nas entregas. A análise de projetos de eficiência energética, por exemplo, cresceu 111% entre março e maio de 2020, na comparação com igual período em 2019. As declarações de utilidade pública aumentaram 38,5% e as emissões de autos de infração na fiscalização de serviços de eletricidade foram 25% superiores entre março e maio de 2020.

A transparência, marca intrínseca a atuação da Aneel desde seu início, não foi sequer despenteada pelo vendaval da pandemia. Não houve uma semana sem realização da tradicional reunião pública ordinária da diretoria.

Em um primeiro momento estávamos reunidos presencialmente no auditório da Aneel, com transmissão ao vivo pela internet. Em outro, a reunião ocorreu no formato de live, cada diretor na segurança do seu lar, pondo em pratica as recomendações das autoridades de saúde, relativas ao isolamento social, mas tudo transmitido igualmente ao vivo, com os agentes realizando suas sustentações orais.

A transparência e a segurança que a Aneel proporciona à regulação do setor elétrico foram reconhecidas no ano passado por duas das maiores agências de avaliação de risco do mundo, a S&P Global Ratings e a Moody’s.

É hora de tratar do futuro pós-pandemia. Mais uma vez recorro ao meu conterrâneo paraibano de Pombal, em que celebramos seu centenário neste ano, Celso Furtado: “O futuro deve ser uma fronteira aberta à invenção do homem.” Nossa gestão tem mais dois anos à frente da Aneel. É com muito entusiasmo que encaramos o desafio de construir os caminhos para a regulação do setor elétrico nesse período que será de recuperação.

Nos próximos anos, as palavras de ordem na agência serão modernizar, simplificar e reduzir custos de empreender no Brasil. Seguiremos obstinados buscando a desoneração das tarifas e avançando em pautas prioritárias. Entre elas, a reestruturação do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), o aperfeiçoamento de regras que trazem maior segurança às operações no mercado livre e a regulamentação de temas que contribuem para a modernização do setor elétrico.

O aperfeiçoamento constante das regras visa corrigir distorções, melhorar o ambiente de negócios e assegurar que os consumidores se beneficiem das oportunidades que vêm surgindo com as transformações em curso.

O MRE, que é uma espécie de condomínio para o rateio do risco hidrológico das usinas hidrelétricas, mostra sinais de que precisa ser aperfeiçoado para continuar a cumprir o seu propósito – diminuir os riscos da comercialização de energia. Por essa razão, a Agenda Regulatória da Aneel para o biênio 2020-2021 possui diversas atividades associadas ao tema, com previsão de conclusão ainda em 2020.

O Ambiente de Contratação Livre (ACL), que já possui papel relevante na expansão da geração, será cada vez mais importante nos próximos anos com a abertura gradual do mercado. Nesse contexto, a Aneel terá que estabelecer novos critérios que fortaleçam ainda mais a segurança das operações no mercado livre e permitam a inserção desse novo universo de consumidores.  

A modernização do setor elétrico, que tem como um dos seus pilares a liberdade de escolha dos consumidores, demandará alterações importantes do arcabouço regulatório existente, o que inclui a regulamentação da nova relação comercial entre consumidores e comercializadoras, a definição do papel das distribuidoras e a implementação de novas modalidades tarifárias, que assegurem que a cobrança do fio esteja dissociada do consumo da energia elétrica. 

A Aneel e a CCEE terão ainda o desafio de realizar nos próximos anos os estudos necessários para que o início da abertura dos consumidores para todas as tensões ocorra a partir de janeiro de 2024. 

Nossos esforços na modernização do setor ainda contemplam a adequação dos procedimentos de rede para a implantação de usinas híbridas, o desenvolvimento de novas formas de remuneração para a prestação de serviços ancilares no Sistema Interligado Nacional (SIN) e a inserção de sistemas de armazenamento. 

Os desafios não são poucos, mas é com otimismo que encaramos o desafio de construir os caminhos para a regulação do Setor Elétrico.

O Papa Francisco nos ensina que “a esperança é humilde, é uma virtude que deve ser trabalhada todos os dias: todos os dias é preciso retomá-la, todos os dias é preciso tomar a corda e ver que a âncora está ali fixa e eu a seguro pela mão”.

Inspirados por essas palavras, temos fé de que a tempestade da pandemia passará e a Aneel continuará cumprindo sua tão nobre missão de regular um dos setores mais essenciais para a sociedade, o de energia elétrica. 

Mais do que isso, vamos fomentar continuamente, na nossa esfera de atuação e competência, o crescimento da economia nacional, fazendo com que o consumidor tenha certeza de que ele é a razão de ser dessa instituição.

André Pepitone é diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Cada vez mais ligada na Comunidade, a MegaWhat abriu um espaço para que especialistas publiquem artigos de opinião relacionados ao setor de energia. Os textos passarão pela análise do time editorial da plataforma, que definirá sobre a possibilidade e data da publicação.

As opiniões publicadas não refletem necessariamente a opinião da MegaWhat.

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