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Bastidores do dia em que a Vibra atravessou o IPO da Comerc e garantiu seu papel na transição energética

Bastidores do dia em que a Vibra atravessou o IPO da Comerc e garantiu seu papel na transição energética

De um lado, a Vibra Energia, antiga BR Distribuidora, buscava ativos de energia renovável para investir e desenvolver sua atuação neste mercado, diversificando sua atuação de uma tradicional distribuidora de combustíveis, em antecipação aos movimentos da transição energética. Depois de mudar de nome, já sob o comando de Wilson Ferreira Junior, recém saído de seis anos de transformação intensa na Eletrobras, a companhia dava seus primeiros passos no mundo da energia, mas ainda faltava um investimento de peso.

De outro, a Comerc Participações, depois de incorporar os ativos de geração renovável da Perfin, incluindo os veículos Mercury Renew e Mori, buscava recursos financeiros no mercado para crescer e bancar seu ambicioso plano de negócios, que visa desenvolver uma grande empresa de geração renovável e gestão de clientes no mercado livre.

O plano da Comerc passava por uma oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3 e tudo indicava que, apesar das condições adversas do mercado, a operação iria sair, diante do forte interesse de oito fundos que iriam ancorar o negócio.

Na manhã da última sexta-feira, 8 de outubro, as expectativas da Comerc eram grandes em relação à precificação do IPO. O chamado book, termo financeiro para o “livro” no qual os investidores se comprometem a comprar as ações da empresa ofertante, estava cheio, mas o preço estava mais próximo do piso da faixa indicativa, que ia de R$ 16,87 a R$ 18,56. Com isso, a companhia estava sendo avaliada em R$ 4,1 bilhões, e a oferta levantaria cerca de R$ 1,5 bilhão para o seu caixa.

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Havia um porém: o plano de negócios da companhia previa investimentos da faixa de R$ 1,9 bilhão, o que significa que seria necessário levantar mais R$ 400 milhões em dívidas no mercado. A solução veio, às 10h daquele dia, na forma de uma proposta da Vibra Energia, que queria comprar 50% da companhia, garantindo os recursos necessários, e também tinha a intenção de manter uma gestão compartilhada, de olho na expertise conquistada pela Comerc nos seus 20 anos de atuação no mercado de energia.

Surpreendendo o mercado, veio à tona na noite daquele dia a notícia de que a Vibra havia, de fato, atravessado o IPO e fechado o acordo para compra de 50% da companhia de energia. O negócio foi antecipado pelo site Pipeline, do Valor Econômico, e confirmado logo depois pelas empresas.

“Ganham os dois lados com a transação. Eles apostaram no desenvolvimento de algo que não começaram a desenvolver, com a possibilidade de crescimento conjunto”, disse Cristopher Vlavianos, fundador e presidente do conselho da Comerc, em entrevista à MegaWhat, que faz parte do grupo.

Vlavianos tem um relacionamento de longa data com Wilson Ferreira Junior, presidente da Vibra Energia, que participou ativamente de um intenso dia de negociações. Também estavam lá André Dorf, presidente da Comerc e ex-presidente da CPFL Energia, cargo no qual, inclusive, sucedeu Wilson Ferreira Junior. A Perfin, que fechou em março deste ano a compra de uma participação na Comerc, dando início à reestruturação dos negócios que culminou no momento atual, também foi atuante nas conversas.

“Chamou a atenção o alinhamento quanto à visão de futuro. Todos nós estamos muito alinhados sobre quais negócios, qual o perfil dos clientes, quais mercados e oportunidades para o futuro”, disse Dorf. 

As vantagens do negócio com a Vibra estavam na mesa. A companhia ofereceu R$ 2 bilhões resolvendo a questão do plano de negócios, e avaliando a Comerc em R$ 4,5 bilhões. A proposta, costurada ao longo daquela sexta-feira, também inclui a compra de outros 20% em ações detidas pelos atuais sócios por mais R$ 1,25 bilhão.

Os bastidores do dia relatados à MegaWhat passam ainda pelo ex-presidente da Eletrobras almoçando um fast-food na mesa de negociação, da qual participou virtualmente, e de um pedido de delivery por aplicativo dos executivos da Comerc extraviado no momento da entrega. Os executivos tiveram que se contentar com lanches comprados às pressas no meio da tarde.

Não havia tempo para que todos os termos da transação fossem resolvidos num único dia, e a Comerc precisava aceitar a proposta da Vibra até às 18h daquela sexta-feira. Caso contrário, prosseguiria com o IPO. 

Foi desenhado então um negócio que permitirá que os detalhes, assim como o acordo de acionistas, sejam definidos nos próximos meses. Ao mesmo tempo, a Comerc vai garantir um rápido aporte de R$ 2 bilhões em seu caixa, recursos que serão imediatamente destinados ao seu plano de negócios, que conta com projetos contratados de geração de energia e que devem ter a construção acelerada a partir de agora.

 Inicialmente, a Comerc vai emitir R$ 2 bilhões em debêntures, compradas pela Vibra, com a possibilidade de conversão em novas ações que representarão 30% do capital social da Comerc em fevereiro de 2022. Nessa data, caso converta o dinheiro em ações, a Vibra deverá, necessariamente, exercer também a opção de comprar outros 20% da empresa, chegando aos 50% de participação por R$ 3,25 bilhões. Mas, desta vez, não serão emitidos papeis, e sim vendidas ações existentes. Os detalhes dessa compra secundária ainda estão sendo negociados.

“Recebemos a proposta deles na manhã de sexta e nos trancamos numa sala virtual. Todos sabiam que se às 18h não tivéssemos o negócio fechado, a gente seguiria para o IPO”, contou Dorf. Enquanto a Comerc tinha um sindicato de bancos liderado pelo Itaú BBA e BTG Pactual em seu lado, a Vibra contratou o Santander para assessorá-la na compra que atravessou a oferta de ações na B3. 

Segundo Vlavianos, conhecido pelo apelido de Kiko no mercado, tudo foi definido “ao soar do gongo, no último minuto”. “Foi um dia estressante, quando achamos que iríamos só fechar o negócio e comemorar o IPO”, contou. O clima, depois de fechado o negócio, era de celebração, apesar das muitas conversas e reuniões com os investidores e bancos que participariam da oferta. Além de Itaú e BTG, a oferta também era liderada pelo Credit Suisse, Citi e XP. Ao longo dos últimos dois dias, os executivos também se reuniram com as gestoras Atmos Capital, Truxt, Núcleo, Verde, Brasil Capital, Itaú Asset, Neo Investimentos e Vinci Partners, que iriam ancorar a operação, garantindo uma demanda de R$ 1,22 bilhão no IPO.

Até fevereiro, a Vibra vai realizar as diligências necessárias na Comerc, enquanto o acordo de acionistas é detalhado pelos sócios. Como o objetivo é um controle compartilhado, os atuais sócios majoritários da empresa devem compor o bloco junto da Vibra, dividindo os assentos do conselho. 

“Eles não querem tocar o negócio, querem que a gente continue. Essa vai ser uma parceria de longo prazo, e que a gente possa realmente entregar o plano de negócios”, disse Vlavianos. Para a Vibra, além de isso finalmente significar a entrada no setor de energia renovável, e possibilitar um uso sustentável do seu fluxo de caixa num setor com perspectivas de crescimento boas, há vantagens no aproveitamento de sinergias com clientes. A Comerc vai “catalisar” os planos da Vibra para a transição energética.

Atualmente, a Vibra é muito focada em logística e distribuição de combustíveis, enquanto a Comerc é focada em geração eólica e solar e serviços para consumidores livres. “Novos negócios serão discutidos em conjunto”, disse Dorf. As empresas não devem competir em segmentos em que isso seja possível, como biocombustíveis, gás e eletromobilidade. Mas ainda não há nada definido nesse sentido.

“Quando a gente estava ali, na tomada de decisão, contou muito termos a oportunidade de fazer uma virada, uma transição energética, numa das maiores empresas do Brasil. Ajudar a transformar todo o potencial que tem hoje”, disse Vlavianos.

Em um cenário considerado improvável em que as partes decidam romper o acordo até fevereiro, as debêntures subscritas pela Vibra terão vencimento em quatro anos, com taxa de CDI mais 2%. A operação está ainda sujeita ao cumprimento de determinadas condições, incluindo a aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).