Por: Karin Yamauti Hatanaka, Leonardo Miranda e Ana Carolina Calil*
A recente suspensão de fornecimento de gás para a Polônia e Bulgária e as ameaça de cortes de fornecimento de gás natural russo na Europa trazem à mente preocupações sobre segurança do fornecimento, e a vulnerabilidade da dependência de uma fonte majoritária de energia.
Embora não tenhamos a mesma dependência do gás natural que a Europa – a matriz elétrica brasileira é composta majoritariamente por fontes renováveis (mais da metade fonte hídrica, e participação crescente das matrizes solar e eólica) a dependência excessiva das hidrelétricas coloca o Brasil, de tempos em tempos, em situações de insegurança no fornecimento de energia. As secas, cada vez mais frequentes, não permitem o despacho das usinas hidrelétricas em sua capacidade plena, inclusive em razão dos outros usos para os recursos hídricos, e as fontes solares e eólica, devido à sua intermitência, não conferem ao sistema a segurança necessária.
Fontes despacháveis, como usinas termelétricas, cumprem o papel de garantir a segurança do sistema. Durante a seca de 2021, muitas dessas usinas – boa parte ainda movida a óleo combustível e carvão – foram chamadas a despachar grandes volumes de energia.
Nesse cenário, importante discutir projetos de usinas a gás natural no Brasil. Embora não sejam “carbono zero” como as usinas renováveis, as usinas de gás natural, bem menos poluentes, cumprem importante papel na transição energética brasileira. Novos projetos de usinas a gás no Brasil vêm não só para injetar mais capacidade no sistema, mas também para substituir usinas a óleo e carvão, mais poluentes.
Outras opções para segurança no fornecimento, como baterias acopladas à geração eólica e solar, ainda são excessivamente custosas. Importante mencionar, ainda, que a própria produção dessas baterias, com necessidade de exploração de lítio e cobalto, também é uma atividade desafiadora do ponto de vista socioambiental, e tem sido alvo de protestos em razão do potencial de contaminação de águas e produção de resíduos e do custo humano de mineração em regiões menos desenvolvidas. Já o hidrogênio verde, outra aposta para a descarbonização, ainda não atingiu um patamar tecnológico que permita a sua produção de forma economicamente viável.
Iniciativas importantes surgem para incentivar o estabelecimento de usinas termelétricas a gás natural, como os leilões de reserva de capacidade, inaugurados em dezembro de 2021. Esses leilões separam o produto das usinas termelétricas em dois componentes: capacidade e energia. A capacidade serve para dar segurança e confiabilidade ao sistema, então seus custos são divididos entre todos os agentes do setor. A energia é negociada isoladamente, em leilões ou arranjos bilaterais.
Além do leilão de reserva de capacidade de 2021, o Governo Federal continua promovendo o fortalecimento do gás natural na matriz energética brasileira com leilões de energia nova anuais. Nesse sentido, em setembro de 2022, espera-se a realização de leilões A-5 e A-6 que possibilitarão a participação de empreendimentos termelétricos não apenas movidos a gás natural como também a biogás.
Ainda, como passo anterior e fundamental à geração termelétrica, buscou-se a segurança do sistema na ponta do fornecimento do combustível gás natural – um dos objetivos do Novo Mercado de Gás, marco legal que assegura o acesso às instalações de transporte de gás, e às demais essential facilities do gás natural – os gasodutos de escoamento, as unidades de processamento de gás natural (UPGN) e os terminais de gás natural liquefeito (GNL).
A combinação de uma matriz renovável diversa, com fontes hídricas, solar e eólica (onshore e offshore) e uma robusta base de geração a partir de fontes despacháveis menos poluentes, como o gás natural, leva o país ao caminho da descarbonização, sem sacrificar a segurança no fornecimento – de importância crucial, com o exemplo da Europa nos mostra.
*Karin Yamauti Hatanaka, Leonardo Miranda e Ana Carolina Calil são sócios da área de Infraestrutura & Energia do TozziniFreire Advogados
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