Um dos principais objetivos do programa Gás para Empregar, cujo grupo de trabalho é coordenado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), é o aumento da disponibilidade de gás natural no Brasil. Para isso, um dos caminhos estudados é o swap de óleo da União por gás natural – ou seja, trocar por gás parte do petróleo que cabe à União nos contratos de partilha do pré-sal.
“O volume de gás natural da União não seria suficiente para viabilizar a política pública do Gás Para Empregar”, explica em entrevista à MegaWhat o secretário Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes.
O Comitê 3 do grupo de trabalho do programa é dedicado exclusivamente a modelos de comercialização do gás natural da União e deve se debruçar sobre a ideia do swap, avaliando cálculos de conversão do petróleo para gás natural, questões tributárias e precificação. O comitê também vai estudar uma eventual revisão da política de comercialização de petróleo e gás da União, inclusive avaliando formas de a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) oferecer gás diretamente a alguns segmentos.
“Dentro das estratégias trabalhadas pelo MME, a PPSA terá atribuições importantes como a possibilidade de contração da capacidade de gasoduto de escoamento, tratamento do gás e capacidade de transporte. Com isso, ela vai poder vender o gás natural em qualquer ponto da cadeia. A PPSA também vai poder reconhecer custo em óleo, a construção de infraestrutura de escoamento e tratamento do gás e fazer o swap de hidrocarboneto”, disse Pietro Mendes.
Para isso, entretanto, o caminho regulatório parece ser longo. “Teria que aperfeiçoar talvez o marco legal e as resoluções da ANP que disciplinam a matéria” disse Helder Queiroz, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Grupo de Economia da Energia (GEE).
“Envolve muitas questões, inclusive a mudança de objeto de ação da PPSA, criada para ser uma empresa que administra a comercialização das reservas de petróleo e gás da União no pré-sal”, avalia o diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma dos Santos.
Ele conta que o Ineep tem estudado esta possibilidade internamente, mas que ainda faltam informações dos órgãos reguladores, especialmente do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). “O CNPE pediu estudos de viabilidade para ANP, mas ainda não vimos esses estudos. Está muito no plano da incerteza para quem está fora do governo. É uma possibilidade que exige mais estudos e debates dos agentes”, diz Santos.
Segundo a documentação já disponível sobre o Gás para Empregar, as propostas para swap e para mudanças nas políticas de comercialização de petróleo e gás da União serão submetidas ao CNPE.
Redução nos repasses à União
Além de representar um desafio regulatório, o swap tende a reduzir os ganhos da União com royalties, tributos e com a própria venda do excedente de produção. Isso porque estes valores são calculados pelo preço de mercado dos hidrocarbonetos, e o petróleo tem valor maior que o gás natural.
Em 2022, a PPSA arrecadou R$ 4,7 bilhões, sendo 99,33% referente à comercialização de óleo. O gás natural representou R$ 31,4 milhões do montante total. Em 2023, até o julho, a arrecadação alcançou R$ 2,3 bilhões, e o gás respondeu por apenas R$ 10,8 milhões (0,47% do total). Além do preço de cada combustível, o montante arrecadado com a venda reflete os próprios volumes de produção de cada tipo: em 2022, a produção média diária de óleo da União foi de 27 mil barris por dia, e a produção de gás natural foi de 130 mil m3 por dia para a União. O Gás para Empregar também pretende aumentar a produção brasileira de gás – uma das possibilidades estudadas é reduzir os níveis de injeção de gás no pré-sal.
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Nos contratos de partilha, o bônus de assinatura, royalties e a receita originada pela comercialização do óleo e gás da União também compõem o Fundo Social (FS). Os recursos do FS são destinados a programas de desenvolvimento e combate à pobreza. Em 2022, o FS arrecadou R$ 6,2 bilhões, segundo dados da ANP.
“Todas essas alternativas de atuação da PPSA só serão adotadas se houver a manutenção ou aumento da arrecadação do Fundo Social e se forem respeitadas as bases econômicas na decisão dos projetos”, garante Pietro Mendes, do MME.
Apesar dos desafios, o swap é visto com bons olhos além do MME. “Precisa de uma estruturação contratual com regulação aperfeiçoada, mas pode ser uma boa ideia, sim. Até para dar um pouco mais de dinamismo ao mercado e aumentar a flexibilidade contratual”, diz Helder Queiroz, da UFRJ. “Agora, quanto tempo isso vai demorar?”, questiona ele.
Sobre os contratos de partilha de produção e óleo e gás da União
Os contratos de partilha foram instituídos para o pré-sal e outras áreas consideradas estratégicas, por meio da lei 12.531/2010. Neste modelo, o bônus pago à União é fixo e a licitação é vencida pelo participante ou consórcio que oferecer à União a maior fatia de produção em óleo e gás.
Neste regime, abatem-se os custos de produção (chamado “custo em óleo”) e o montante que sobra (o “excedente da produção”) é partilhado entre as empresas e a União, na proporção definida durante a concessão das áreas.
A estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) representa a União nestes contratos, inclusive no momento de comercializar a parcela da produção destinada ao Estado brasileiro.
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