Depois de desenvolver mais de 6 GW em projetos de geração solar fotovoltaica no Brasil em 16 anos atuando no país, a espanhola Solatio garantiu financiamento para instalar uma planta de hidrogênio verde correspondente ao consumo de 3 GW de energia renovável no Piauí, na região da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) de Parnaíba, no litoral do estado.
Além da unidade de produção de hidrogênio, a primeira fase envolve a construção de 9 GW em usinas de geração de energia solar fotovoltaica em Minas Gerais, que somam 2 GW médios e serão conectados à rede de transmissão, e outros 4 GW de geração solar na área adjacente à planta no Piauí, estes fora do grid. Os investimentos serão de cerca de R$ 80 bilhões, ou cerca de 15 bilhões de euros, que a Solatio já garantiu com uma parceria com um fundo soberano que ainda não pode ter o nome divulgado, disse em entrevista Pedro Vaquer, presidente da Solatio.
“O meu foco hoje é ter o projeto certo, porque o Brasil e o mundo estão cheios de ‘PowerPoints'”, disse Vaquer, se referindo aos anúncios de projetos de grande porte que não chegam a se concretizar. Ele garantiu que em 2028 a planta de hidrogênio estará em operação, assim como a geração renovável que vai garantir que a molécula seja classificada como renovável.
No total, o memorando de entendimento assinado ano passado com o governo do Piauí prevê uma planta de 10 GW de hidrogênio na região, mas o problema é que a rede de transmissão do estado não suporta essa carga. Segundo Vaquer, a carga do Piauí é de cerca de 750 MW, mas a companhia confirmou com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) que é possível ampliar o consumo em no máximo 3 GW, para os quais já solicitou a conexão e não espera entraves.
O uso de energia da rede é importante neste caso porque os eletrolisadores exigem energia estável, a chamada “24/7”, e como as fontes renováveis são intermitentes, é preciso usar instrumentos no mercado livre de energia, como swaps, para garantir que essa energia seja renovável. Uma planta solar instalada no local, mesmo que fora do grid, só entregaria energia durante os horários de insolação.
Os 4 GW que serão instalados no local serão usados no pico, e os outros 9 GW em Minas Gerais serão geridos pela Tradener, que vai garantir à Solatio a certificação de que a energia usada o tempo todo no projeto de hidrogênio é renovável.
‘Não procuramos consumidores’
Além de ter garantido o acesso à conexão com a rede, Vaquer contou que outra vantagem do seu projeto é que o fundo soberano não exigiu contratos de venda do hidrogênio verde para fazer o investimento. Os 3 GW em capacidade dos eletrolisadores correspondem a uma produção de 400 mil toneladas de hidrogênio verde por ano, ou 2,2 milhões de toneladas de amônia verde.
“Nós não estamos procurando consumidores, estamos procurando ter o licenciamento do projeto total. Os consumidores de hidrogênio nos estão procurando, mas eu não tenho a urgência de procurar consumidores de hidrogênio. Por quê? Porque o meu consumo vai ser a partir de janeiro de 2028, faltam três anos e meio”, disse Vaquer, que chamou sua estratégia de “menos marketing e mais realidade”.
O executivo não sabe estimar o preço do hidrogênio neste momento, já que está ainda negociando a compra dos equipamentos com vários fornecedores no mundo. É a partir disso que ele terá uma estimativa do valor do insumo, que ele garantiu que “vai ser competitivo”, até pelo preço cada vez mais baixo dos equipamentos para geração solar fotovoltaica e pelo custo de capital baixo do fundo que vai investir no empreendimento.
O contrato de conexão de consumo na rede deve ser assinado em seis meses, devido aos processos burocráticos do ONS, segundo Vaquer, mas “os estudos têm mostrado” que a rede suporta essa carga de até 3 GW. Já há pré-contratos para importação dos 13 GW em painéis solares, além de conversas avançadas com os epecistas que devem conduzir as obras.
Início das obras: 19 de outubro
“Vamos começar as obras em 19 de outubro, isso já foi anunciado com a presença do vice-presidente [Geraldo Alckmin], o presidente [Luiz Inácio Lula da Silva] já está confirmado. Não tem como voltar atrás”, disse o presidente da Solatio, que participou em dezembro de 2023 de uma cerimônia em que o governador do Piauí, Rafael Fonteles, anunciou o lançamento do hub de hidrogênio verde do estado, quando Alckmin estava presente.
A data está acertada por ser celebrado o “Dia do Piauí”, feriado estadual que comemora quando o estado aderiu ao movimento da independência do Brasil.
Em 2025, começará efetivamente o trabalho de preparação dos terrenos e obras específicas das usinas e da fábrica. Nos próximos dias, deve ser ainda anunciado o nome do fundo soberano que vai investir no projeto, que será sócio dos donos da Solatio na criação de uma nova holding, a Solatio Global.
“A empresa que vai fazer tudo isto é uma holding constituída na Holanda, que se chama Solatio Global”, disse o executivo. A Solatio vai ter 50% da Solatio Global, e os outros 50% serão do fundo soberano, cujo nome ainda não pode ser anunciado porque estão nas assinaturas finais das documentações. O executivo disse apenas que é um fundo da região do Oriente Médio com capacidade robusta de investimentos.
Isso é importante porque o fundo que está sendo estruturado será de R$ 230 milhões, correspondentes a cerca de 42 bilhões de euros, já prevendo também os investimentos necessários para concluir as etapas subsequentes do projeto, chegando aos 10 GW de capacidade de produção de hidrogênio ao longo de 10 anos. A aposta da empresa é que nesse período haverá expansão da capacidade de transmissão da região, permitindo que novas cargas sejam conectadas ao grid ao longo dos anos.
Durante a Conferência Internacional de Tecnologia das Energias Renováveis (Citer), realizada em Teresina pelo governo do Piauí entre 3 e 5 de junho, Vaquer assinou, junto do governador Rafael Fonteles, um memorando de entendimentos para a construção do parque de 4 GW que ficará na região de Parnaíba e vai abastecer a planta.
Boa relação com o governo
De acordo com Vaquer, o relacionamento com o governo do Piauí é “espetacular”. ” É um governador com uma cabeça brilhante, empreendedor, que ajuda a fazer acontecer”, completou. Fonteles e seu governo estão contribuindo com a obtenção das licenças estaduais e também com as conversas com o governo federal, principalmente o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e vê no hidrogênio verde uma oportunidade para incentivar a industrialização da região.
O foco não será na exportação da amônia verde à Europa, e sim em atrair indústrias que possam consumir o insumo no Brasil, para agregar valor e exportar produtos elaborados. “O Brasil importa 95% dos fertilizantes que consome. Que sentido tem exportar amônia para produzir fertilizante e depois importar fertilizante?”, questionou Vaquer. Segundo ele, isso depende de políticas federais, “e quer melhor interlocutor que este governador para batalhar por isso?”.
Desde que o acordo com o Piauí foi assinado, a Solatio acompanhou o governo do estado em viagens a vários países para discutir as oportunidades do hidrogênio verde, incluindo Espanha, Alemanha, Inglaterra, China, Austrália, Holanda e Estados Unidos. O presidente da Solatio contou que já foi procurado por muitas empresas sobre o projeto, mas as propostas firmes serão feitas quando a empresa mostrar que comprou os equipamentos e vai tirar os planos do papel – ou do PowerPoint, como disse Vaquer.
Marco legal e certificação
Na Citer, o governador Rafael Fonteles destacou a parceria com a Solatio e o memorando de entendimento assinado com outra empresa também para viabilizar 10 GW em hidrogênio verde, a croata Green Energy Park, e dedicou grande parte das suas falas à defesa da aprovação do Projeto de Lei 2.308/2023, que cria o marco legal do hidrogênio verde. A lei é tida como essencial por criar incentivos à indústria e criar segurança regulatória para viabilizar os investimentos.
>> Momento de aprovação do marco legal do hidrogênio é ‘agora ou agora’
O PL, que foi aprovado pela Câmara em novembro do ano passado e está aguardando votação no Senado, prevê a criação da Política Nacional do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono e o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro), garante às produtoras de hidrogênio de baixo carbono incentivos tributários como suspensão de PIS, Cofins, PIS-Importação e Cofins-Importação na compra ou importação de máquinas, por exemplo.
Segundo Vaquer, a Solatio não está preocupada com a aprovação do marco legal porque seu projeto será construído com ou sem a lei. “Se não tiver regulação, o que significa? Que não posso fazer? Não, já me falaram, pode fazer, mas não tem regulação. Como não tem regulação, não há proibição”, disse, completando que tem confiança de que a lei será aprovada, já que “ninguém discute isso hoje”.
A empresa também está “tranquila” sobre o tema da certificação do hidrogênio verde, disse Vaquer. Segundo ele, a Solatio tem conversado com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que lançou uma plataforma de certificação de hidrogênio verde, e está confiante que seu projeto vai cumprir os requisitos.
*A jornalista viajou a convite da Citer