Reuniões bilaterais

Mercosul pode se tornar um 'ator incontornável' da transição energética com adesão da Bolívia, diz Lula

A declaração sobre a Bolívia foi feita pelo mandatário durante 64ª cúpula dos presidentes do Mercosul e Estados Associados, no Paraguai.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (d), e o presidente da Bolívia, Luis Arce (e). Foto de Ricardo Stuckert (Agência Brasil)
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (d), e o presidente da Bolívia, Luis Arce (e)./Crédito: Ricardo Stuckert (Agência Brasil)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu nesta segunda-feira, 8 de julho, que a adesão plena da Bolívia ao Mercosul tem enorme valor estratégico e pode tornar o bloco um “ator incontornável no contexto da transição energética”. A declaração foi feita pelo mandatário durante 64ª cúpula dos presidentes do Mercosul e Estados Associados, em Assunção, no Paraguai.

A reunião da cúpula deve selar a entrada da Bolívia como quinto membro do bloco, após a aprovação do protocolo de adesão em 3 de julho pelo Senado boliviano.

Nesta terça-feira, 9 de julho, Lula tem um encontro com o presidente da Bolívia, Luis Arce. Segundo o Palácio do Planalto, após a reunião deve ocorrer uma cerimônia de assinatura de atos. Além do presidente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, embarcou para a Bolívia e deve participar de reuniões bilaterais com os titulares das pastas que tratam de energia e mineração da Bolívia, bem como com o presidente da Bolívia.

Conforme publicação no Diário Oficial da União, Silveira foi acompanhado por uma comitiva de secretários, diretores e assessores da pasta, incluindo os secretários Pietro Mendes, de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis; Thiago Barral, de Transição Energética e Planejamento; e Vitor Saback, de Geologia, Mineração e Transformação Mineral.

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Como a entrada da Bolívia no Mercosul pode impactar o setor de energia?

O país é o principal parceiro comercial do Brasil para a importação de gás natural. Em 2022, o Brasil importou uma média de 17,5 milhões de m³ de gás por dia da Bolívia, enquanto a regaseificação de gás natural liquefeito (GNL) foi de 6,53 milhões de m³ por dia, segundo dados do Ministério de Minas e Energia (MME).

Apesar disso, agentes do mercado ouvidos pela MegaWhat não acreditam que a eventual entrada da Bolívia no Mercosul signifique mais gás boliviano no Brasil, pois o maior gargalo está do lado da oferta.

Por outro lado, na Argentina, as grandes reservas de óleo e gás não-convencionais estão depositadas na formação Vaca Muerta, entre as províncias de Neuquén, Rio Negro, La Pampa e Mendoza. Diante da demanda crescente por gás no Brasil, é importante para o país encontrar outra fonte que substitua o gás boliviano, onde a produção está em declínio.

O gás não-convencional de Vaca Muerta, na Argentina, tem sido apontado como possível substituto. As reservas abundantes e o baixo custo de exploração – estimado entre US$ 1,60 e US$ 2,30 o milhão de BTU pela consultoria Gas Energy Latin America – são vantagens.

O papel da Bolívia na infraestrutura

infraestrutura, entretanto, é um desafio, já que Vaca Muerta fica distante dos maiores centros consumidores. O Gasoduto Presidente Nestor Kirchner (GPNK) deve solucionar este acesso, mas a obra é complexa. A primeira fase, que compreende 570 km de dutos, foi inaugurada em julho de 2023 e levou o gás até província de Buenos Aires, na cidade de Salliqueló.

Ainda é previsto outro trecho, de mais 520 quilômetros, até a comuna de San Jeronimo, na província de Santa Fe.

O governo argentino chegou a discutir apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para financiar as obras, mas desde a mudança no comando do país vizinho o governo brasileiro não tratou mais do assunto.

O segundo trecho do GPNK poderá trazer o gás para mais próximo do Brasil. Uma possibilidade de conexão está na cidade de Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. A Transportadora Sulbrasileira de Gás (TSG) tem 25 km que ligam Uruguaiana (RS) à rede argentina da Transportadora de Gás del Mercosur (TGM), e mais 25 km de dutos que ligam Canoas (RS) à malha da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG). Falta, entretanto, uma rota de 565 km para unir as duas extremidades.

Como são necessários esses investimentos na infraestrutura, o custo da molécula de gás da argentina pode ficar mais caro para chegar até os centros de consumo no Brasil.

Outra alternativa, que depende apenas do segundo trecho do GPNK, seria aproveitar as estruturas de conexão entre Argentina e Bolívia, para trazer o gás para o Brasil pelo gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol). Embora o transporte signifique um custo adicional, o benefício é que a maior parte da estrutura já está pronta. E, com a queda nas exportações bolivianas, o Gasbol deverá ficar cada vez mais ocioso.

Bolívia e o SIN

Durante reunião com o ministro boliviano dos Hidrocarbonetos e Energia, Franklin Molina Ortiz, em janeiro deste ano, Alexandre Silveira afirmou que os sistemas isolados da Bolívia poderão ser conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN) para permitir a venda de energia e auxiliar no processo de descarbonização.

No encontro, Silveira defendeu ampliar a capacidade de produção de energia na hidrelétrica Jirau, localizada próxima à divisa dos dois países. Segundo o ministro brasileiro, aumentar a produção da hidrelétrica é importante para a modicidade tarifária no Brasil, além de poder exportar o excedente gerado pela usina para o país vizinho.

Em participação no Fórum Econômico Mundial, também em janeiro, Silveira defendeu a interligação da América do Sul – na ocasião, o ministro comentou a importação de energia da Venezuela para abastecimento de Roraima, que não está conectado ao SIN.

Discurso de Lula no Mercosul

Em sua fala, o presidente brasileiro destacou que o Mercosul tem “uma agenda inacabada” envolvendo dois setores das economias, que foram excluídas, segundo ele, do livre comércio.

“Os avanços para a inclusão do setor automotivo ainda são insuficientes. No setor açucareiro, que engloba o desenvolvimento dos biocombustíveis, não logramos sair das discussões teóricas”, disse Lula.

Na visão de Lula, uma integração regional “profunda”, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação para geração de emprego e renda pode ajudar a solucionar está questão, especialmente com a entrada da Bolívia no bloco.

“A adesão plena da Bolívia tem enorme valor estratégico e faz do nosso bloco ator incontornável no contexto da transição energética. Somos ricos em recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata. Temos tudo para nos tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis solares”, afirmou Lula.

O Mercosul

O bloco foi criado há 33 anos, por meio do Tratado de Assunção e, de acordo ao Protocolo de Ouro Preto, a presidência pro tempore do bloco é exercida pelos estados partes, em rodízio e em ordem alfabética, por seis meses.

Conforme dados do Planalto, o Mercosul atualmente epresenta o equivalente à 7ª maior economia mundial, com PIB de US$ 2,86 trilhões, e engloba 67% do território da América do Sul.

Em 2023, o Brasil exportou US$ 23,56 bilhões para o bloco e importou US$ 17,09 bilhões, com superávit de quase US$ 6,5 bilhões. A maioria das exportações brasileiras foi composta por produtos industrializados, e as principais mercadorias comercializadas entre os membros do bloco são automóveis, peças automotivas, energia e soja.