Auditoria

CGU aponta interferência humana e sem transparência em decisões do ONS e CMSE

Controladoria-Geral da União elaborou relatório sobre gestão dos reservatórios no setor elétrico e seus impactos dos múltiplos usos da água

Edifício-sede da CGU, em Brasília
Edifício-sede da CGU, em Brasília | CGU

A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou falta de transparência e metodologias falhas na gestão do sistema elétrico brasileiro (SEB), além de governança fragilizada para atuar em momentos de crise hidroenergética. Em relatório motivado pela crise hídrica de 2020-2021, a CGU estudou os processos para despacho elétrico e os processos que baseiam o funcionamento do SEB.

Entre as recomendações da Controladoria, estão maior transparência das reuniões do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), a promoção de maior integração com outras instituições que também fazem uso e impactam os reservatórios, a atualização dos modelos computacionais utilizados para a gestão dos reservatórios e para o cálculo da energia.

A CGU também identificou que faltam parâmetros de avaliação do desempenho do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em seu objetivo de promover a operação com menor custo, e recomendou a elaboração de métricas claras que também investigam a aderência entre o planejado e o executado.

Algumas destas conclusões e recomendações também foram feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no Acórdão 922/2023.

Transparência do CMSE

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A CGU avaliou que falta transparência nas decisões do CMSE, assim como a ausência de “documentos citados nas atas das reuniões e que suportam os trabalhos e decisões proferidos pelo Comitê”. O TCU também proferiu conclusão parecida em seu acórdão, registra o relatório.

Segundo a CGU, além de a transparência ser um valor constitucional para a atividade pública, o CMSE toma decisões que resultam em aumento no custo de energia e, também por isso, deveria dar maior publicidade a suas atividades.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) alegou que o sigilo das reuniões do CMSE ocorre para evitar pressões externas e para que os integrantes do Comitê se sintam à vontade para levar “discussões francas e aprofundadas”.

A CGU entende que estes não são motivos razoáveis para que as reuniões continuem pouco transparentes, e dá como exemplo a publicidade da reunião da diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “(…) Uma agência reguladora certamente está entre as instituições que mais sofrem pressões externas sobre suas decisões, sem contar o risco de que ocorram sinais indevidos aos agentes do setor regulado. Contudo, o emprego de ferramentas adequadas, como Análise de Impacto Regulatório (AIR), consultas e audiências públicas e a, já citada, publicização das reuniões deliberativas, no caso da Aneel, revela que é um caminho correto”, entendem os auditores.

Modelos computacionais e cálculo de risco

Em relação aos modelos computacionais, a CGU avaliou que os parâmetros utilizados para cálculos de custo da energia datam da década de 1980, sendo apenas atualizados a partir de índices monetários. Assim, não há calibragem em relação às modificações da indústria e da economia, nem consideração adequada de fontes intermitentes como eólica e solar. 

“Verifica-se defasagem com a economia brasileira, avanços tecnológicos e dependência da energia elétrica da sociedade moderna, apesar de diversas solicitações governamentais para a correta atualização da metodologia ao longo dos anos”, diz o relatório. Com isso, segundo a CGU, os modelos computacionais toleram maior risco do que o ONS e o CMSE, “materializando-se na autorização para Geração Fora da Ordem de Mérito (GFOM) por segurança energética”.

A CGU também criticou a exclusividade do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel) para o desenvolvimento dos modelos computacionais usados no planejamento e expansão da operação do SEB. Apesar de o Cepel ser o único fornecedor para tais modelos, não há um contrato para a realização de atualizações ou monitoramentos mais rápidos da operação por parte do governo.

“O setor governamental fica impossibilitado, por exemplo, de aplicar sanções, em caso de atraso na implementação das solicitações de atualização, de exigir o cumprimento de prazos estabelecidos, e de estabelecer indicadores de qualidade e limites sobre as solicitações de atualização por exercício”, diz o relatório. Segundo a CGU, o TCU também recomendou a revisão da exclusividade do Cepel no desenvolvimento de tais sistemas.

A CGU também identificou que há excessiva intervenção humana na programação diária (Dessem), sem metodologia clara que guie a tomada de decisão. Embora a equipe de auditoria entenda que os ajustes são necessários, criticou a falta de critérios objetivos que justifiquem as decisões.

Governança e integração

Diante da grande participação da geração hídrica, a CGU recomendou maior integração com outras entidades que também usam e impactam os reservatórios, como o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e a Agência Nacional de Águas (ANA). Segundo a CGU, esta “articulação deficiente” é mais um ponto da “inadequação da governança do setor elétrico”.

“Exatamente por ser atribuição da ANA a responsabilidade pela recuperação dos reservatórios, não parece razoável a sua exclusão das discussões que resultam na tomada de decisões que impactam a gestão direta dos reservatórios de aproveitamento hidráulico”, aponta o relatório.

Para a Controladoria, o fato de o CMSE contemplar somente órgãos subordinados ou vinculados ao MME provoca uma inadequação na correta gestão dos recursos hídricos. Por outro lado, a participação de outras entidades poderia trazer uma “visão mais conservadora” sobre a necessidade de preservação dos reservatórios hidráulicos.