O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação com o objetivo de responsabilizar diversos entes públicos e privados pelas falhas que resultaram no apagão de novembro de 2020 no estado do Amapá. O órgão pede que os acusados indenizem os consumidores por danos morais coletivos e por danos sociais que podem chegar a R$ 70 bilhões.
A investigação conduzida pelo MPF concluiu que a falta do fornecimento de energia elétrica durante 21 dias no estado do Amapá foi gerada por uma série de falhas e omissões das empresas e órgãos do setor elétrico. Esses agentes estão envolvidos tanto nas etapas de fornecimento de energia – geração, transmissão, distribuição e consumo –, quanto na criação de normas, no acompanhamento e na fiscalização do setor elétrico.
“A ação busca responsabilizar todos os envolvidos e garantir que a população do Amapá seja devidamente reparada pelos danos sofridos”, afirmou a procuradora da República Sarah Teresa Cavalcanti de Britto, então titular da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão.
A ação tem como réus a União, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), a Linhas Macapá Transmissora de Energia Elétrica (LMTE), a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
As controladoras da LMTE, Gemini Energy e Energisa S.A, e a controladora da CEA, Equatorial Participações e Investimentos II S.A, também foram processadas. A ação, assinada pela procuradora da República Sarah Teresa Cavalcanti de Britto, foi protocolada em 1º de fevereiro.
Responsabilização
Na ação judicial, o MPF detalha a contribuição de cada agente para o que considera a “ocorrência do maior desastre de segurança energética da história Sistema Interligado Nacional (SIN)”.
A investigação apontou falhas como o descumprimento de critérios de segurança pela LMTE, a negligência do ONS em relação à confiabilidade do sistema, e o descumprimento do rodízio de energia pela CEA, já durante o apagão. Além disso, a ação questiona a omissão da Aneel na fiscalização do setor e a falta de planejamento da EPE.
A ação destaca que a LMTE foi negligente e não realizou manutenções periódicas nos transformadores da subestação Macapá, o que foi a causa originária do apagão. Também é apontado que a transmissora descumpriu normas legais e regulamentares do setor, bem como padrões de prestação de serviço. O ONS, por sua vez, tinha conhecimento da indisponibilidade de equipamentos e da postergação de prazos para finalização de manutenção, mas não agiu para contornar a fragilidade do sistema.
Na fase de investigação, documentos e depoimentos foram decisivos para apontar a omissão e o descumprimento das atribuições pelos agentes. O MPF destaca que a situação crítica em que operava a subestação Macapá e a fragilidade do sistema energético do estado era de conhecimento dos responsáveis.
Ainda em relação à Aneel, o MPF pontua que a agência tinha ciência de que a LMTE operava abaixo da qualidade das demais transmissoras há anos e, que desde 2019, a SE Macapá operava sem transformador reserva. A agência falhou em sua função fiscalizatória e nada fez para garantir a segurança energética do Amapá. A autarquia também contribuiu para a desativação antecipada da UTE Santana, sem se importar com o sistema de redundância do Amapá, que poderia garantir a continuidade da energia em caso de falha.
No mesmo sentido, foi decisiva a conduta da União, por meio do Ministério de Minas e Energia (MME), que autorizou a revogação da concessão da UTE Santana de 2024 para 2019. O ente contou com manifestação favorável da Aneel e do ONS para antecipar a revogação.
Outros serviços na pandemia
De acordo com o MPF, o apagão comprometeu não apenas o fornecimento regular de energia elétrica, mas também a continuidade de serviços públicos e privados necessários à população do estado, como fornecimento de água, os sistemas de telecomunicações e serviços bancários.
Em trecho da decisão, aponta que “durante o pico de contaminação da covid-19, um cenário de caos se instalou nas cidades: filas para comprar gelo, água potável e combustível, serviços de saúde sem funcionar, comerciantes com prejuízos pela perda de alimentos perecíveis, dentre outros graves problemas”.
O MPF pede na ação o bloqueio de 30% do orçamento da União destinado à publicidade e propaganda a partir de 2025, e de 20% do orçamento total da EPE, também a partir de 2025, para depósito em juízo. Além disso, requer que a LMTE deposite imediatamente R$ 70 milhões em juízo. A ação também busca a condenação solidária de todos os réus pelos danos causados à população.
O blecaute no Amapá
O apagão fez com que 13 dos 16 municípios do Amapá ficassem sem energia elétrica. O blecaute atingiu mais de 90% da população. Cerca de 660 mil pessoas ficaram no escuro durante a pandemia de covid-19 e em um período de muitas chuvas e alagamentos no estado. O evento provocou, ainda, o adiamento das eleições gerais de 2020.
Como reparação pelo dano causado, o MPF requereu a condenação solidária de todos os réus a indenizar os afetados pelo apagão em um valor estimado em quase R$ 70 bilhões. Para quantificar o dano, o MPF consultou ações semelhantes em todo o Brasil. O valor base estabelecido foi multiplicado pelo número de cidadãos afetados pelo apagão no Amapá.