
A estruturação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), autarquia federal responsável por monitorar, regular e fiscalizar a segurança nuclear e a proteção radiológica no Brasil, corre risco devido a falta de recursos orçamentários.
A análise consta em decisão do Tribunal de Contas da União (TCU), que deu prazo de 120 dias para que o Ministério de Minas e Energia (MME), ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) formulem um plano de ação para garantir o funcionamento da autarquia. A agência foi criada a partir da cisão do Cnen, de forma que a ANSN ficará com a regulação, fiscalização e licenciamento, e a comissão conduzirá os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento do setor.
A corte também recomendou às pastas e à comissão que designem, no prazo de 15 dias, um grupo de transição para atualização das informações contidas no primeiro relatório redigido por uma equipe anterior sobre o assunto.
Diretores da ANSN
Em março de 2024, o TCU recomendou medidas para Casa Civil. Entre elas, a de indicar um nome para o cargo de diretor-presidente da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear com a “maior brevidade”, já que a lei 14.222/2021, responsável por criá-la, determina a postergação da sua vigência até a nomeação de um diretor-presidente.
Neste ano, a corte realizou, sob a relatoria do ministro Aroldo Cedraz, acompanhamento para fiscalizar a estruturação da autarquia e verificou que, em dezembro de 2023, houve a indicação, por parte do governo federal, de três nomes para serem sabatinados pelo Senado Federal. Caso sejam aprovados, eles devem ser nomeados como diretor-presidente e diretores, formando a diretoria colegiada agência.
No entanto, Cedraz avaliou que, após apreciação do Senado Federal com a brevidade possível, a estruturação adequada da autarquia dependerá da cisão da estrutura da Cnen, o que inclui recursos humanos, patrimônio móvel e imóvel, contratos em geral e serviços de tecnologia da informação (TI). Para ocorrer a divisão, o magistrado destaca que não deve ocorrer incremento da despesa em relação à atual dotação orçamentária da Cnen, conforme a Lei 14.222/2021.
“[Entretanto] ocorre que, segundo evidenciado pela equipe de auditoria do TCU, essa separação de estruturas parte de uma realidade em que a Cnen está demasiadamente fragilizada em termos institucionais, com acentuada diminuição de sua dotação orçamentária e escassez de pessoal para o desempenho adequado de suas competências legais”, disse Cedraz.
Indicados do governo
Em mensagem ao Senado de dezembro, a Presidência da República indicou Alessandro Facure Neves de Salles Soares para exercer o cargo de diretor-presidente da ANSN, com mandato de quatro anos. Soares é o atual diretor de Radioproteção e Segurança Nuclear da Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Ailton Fernando Dias foi indicado para ser diretor de instalações Nucleares e Salvaguardas da ANSN, com mandato de dois anos. Dias é atualmente Chefe da Divisão de Controle de Rejeitos Radioativos e Nucleares da Cnen.
Lorena Pozzo foi indicada para o mesmo cargo de Ailton, porém com mandato de três anos. No momento, Pozzo é coordenadora do Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (NATS) do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) da Comissão Nacional de Energia Nuclear.
Dificuldades orçamentárias da nuclear
Segundo o tribunal, o processo de estruturação da agência reguladora passará por dificuldades, sendo uma delas aincompatibilidade entre o critério imposto pelo então Ministério de Economia no sentido de que essa nova autarquia somente poderia ser criada dentro do conceito de custo zero.
“Ou seja, sem a alocação de novas funções e cargos de chefia e sem incremento orçamentário – e o porte, a responsabilidade e as atribuições de uma autoridade regulatória encarregada de controlar e fiscalizar as atividades nucleares e as aplicações das radiações ionizantes em todo o território nacional”, observou o ministro.
Conforme análise do TCU, não há previsão de recursos orçamentários para a ANSN em 2024 e 2025, levando a risco quanto ao planejamento da redistribuição do patrimônio móvel e imóvel e quanto ao uso dos contratos administrativos e de serviços de TI da comissão.
A auditoria do TCU ainda verificou que não há autorização para incremento do quadro de pessoal da Cnen para atender, em especial, atividades de governança. Desta forma, hárisco de prejuízo às atividades da Cnen e da ANSN em face da redistribuição de recursos humanos entre as agências, especialmente das áreas de gestão e governança, cujos postos de trabalho serão replicados nessa nova autarquia.
“Existe um prolongado processo de redução do quadro de pessoal da Cnen – atualmente com ocupação de apenas 42% dos seus 3.267 cargos efetivos –, com consequente perda de capital intelectual num setor de difícil reposição, podendo ser mencionadas como agravantes a média de tempo de serviço de seus servidores (28 anos) e a média de idade desses colaboradores (57 anos)”, diz o ministro-relator Aroldo Cedraz.
Decisão do TCU
Após análise, o TCU recomendou ao MME, ao MCTI e à Cnen que, no prazo de 15 dias, designem grupo de transição para atualização das informações contidas no primeiro relatório redigido pelo grupo de transição anterior. Também haverá o prazo de 120 dias para que formulem plano de ação.
Oplano deverá indicar as providências necessárias para garantir o bom funcionamento da ANSN e da Cnen relativamente às necessidades a serem negociadas quanto a dotações orçamentárias futuras para a execução das ações orçamentárias sob a responsabilidade de cada entidade.
“O plano de ação deverá se referir também ao patrimônio móvel e imóvel, recursos humanos, contratos em geral e serviços de tecnologia da informação a serem redistribuídos”, explicou o ministro do TCU Aroldo Cedraz, relator do processo.
Dois anos sem fiscalização
Para o relator do processo, ministro Aroldo Cedraz, a ANSN ganhou relevância nos últimos anos no Brasil em meio à retomada da construção da usina termonuclear de Angra 3, a continuidade do projeto de construção do submarino nuclear (Prosub) e a implantação do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB).
No relatório de 2024, o TCU diz que, com a sua criação, a autarquia assumiu as atividades de fiscalização, monitoramento e regulação de instalações e atividades nucleares no Brasil, que estavam a cargo da CNEN, e que ficou totalmente dedicada ao planejamento e realização de pesquisas nucleares. A separação de atribuições atende ao Protocolo da Convenção de Segurança Nuclear, recomendado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e assinado pelo Brasil em 1990.
Entre 2021 e 2022 foram publicados três decretos relacionadas a ANSN, sendo um de vinculação da autarquia ao Ministério de Minas e Energia, posteriormente revogado por meio do decreto 11.401/2023.
O ex-presidente da República, Jair Bolsonaro, chegou a encaminhar ao Senado Federal o nome de José Mauro Esteves dos Santos, então assessor na Casa Civil da presidência da República, para exercer o cargo de diretor-presidente, com um mandato de quatro anos, e um grupo de transição do MME e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) também foi criado para planejar a implantação da ANSN.
Contudo, o indicado do Planalto precisa passar por uma sabatina do Senado Federal, ação que ficou pendente. Segundo o TCU, diante da pendência e da posterior retirada dos nomes indicados à ANSN após a transição de governo em 2023, o processo de indicação acabou retornando ao ponto inicial.
Em novembro de 2023, a Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança Nuclear (AFEN), formada por servidores da Cnen, solicitou ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, as providências para a implementação imediata da ANSN, o que incluiria a indicação de um diretor-presidente.