Licenciamento ambiental

Autoridades criticam PL do licenciamento ambiental; texto deve ser votado na próxima semana

Em audiência na Câmara dos Deputados, presidente do Ibama, autoridades e associações voltam a mencionar risco de judicialização do PL

Presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em audiência pública na Câmara dos Deputados | Foto:Kayo Magalhães - Câmara dos Deputados
Presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em audiência pública na Câmara dos Deputados | Foto:Kayo Magalhães - Câmara dos Deputados

O projeto de lei (PL) nº 2.159/2021 tem aspectos inconstitucionais, contradiz tema já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e viola tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Estes foram algumas das indicações feitas por autoridades e especialistas que participaram de audiência pública sobre o PL, realizada nesta quinta-feira, 10 de julho, na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.

O texto já passou pela Câmara, mas voltou à casa após sofrer mudanças no Senado. Segundo líderes partidários, o tema deverá ir à votação dos deputados na próxima semana.

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Audiência pública

Durante a audiência pública na Comissão de Meio Ambiente, o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Rodrigo Agostinho, voltou a mencionar que o PL traz risco de judicialização do licenciamento de projetos. “O licenciamento ambiental está na nossa Constituição de forma expressa”, disse.

Uma das preocupações está relacionada à Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), que poderá ser emitida por autodeclaração dos empreendedores para projetos de impacto ambiental médio ou baixo. “A LAC não é licença, é cadastro. Licença ambiental implica em avaliação de impacto ambiental”, disse. Pelo PL, a LAC também poderá ser aplicada para a renovação de licença.

O secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), João Paulo Capobianco, ressaltou que o STF já considerou como inconstitucional a autodeclaração para atividades de médio potencial poluidor ou médio impacto ambiental. “É um dispositivo equivocado e que corre o risco de ser judicializado”, disse.

Atribuições a municípios, estados e União

A própria definição do que é uma atividade de baixo, médio ou alto impacto ambiental tende a ser problemática, na visão dos especialistas, já que o PL propõe que cada região estabeleça seus próprios parâmetros.

“Todo mundo aqui se lembra do que foi a guerra fiscal, onde todas as unidades do pacto federativo perderam. Precisamente esse mecanismo vai se repetir. Isso precisa ter um ordenamento muito claro”, disse Capobianco.

Este é um ponto que, segundo o secretário-executivo, não pode ser remediado e deverá motivar disputas judiciais. “O que voltou do Senado não contempla alteração a esse respeito. Isso só poderá ser feito por meio da judicialização, que é algo que, simplesmente, ninguém quer”, lamentou.

Outra mudança em relação às atribuições de cada esfera de poder está na dispensa de autorização pelo uso do solo, que atualmente fica a cargo dos municípios. Assim, Rodrigo Agostinho avalia que pode haver insegurança jurídica em relação a projetos que já estão em andamento em órgãos municipais, estaduais e federais. “Não sabemos como será o dia seguinte de um projeto como esse”, disse.

O diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) Marcos Woortman apontou que as gestões municipais são responsáveis pelo atendimento de saúde, por exemplo, e por isso devem ser muito afetadas pelos “ônus” do novo formato de licenciamento ambiental.

Outros problemas do PL, segundo os especialistas

João Paulo Capobianco também criticou a exclusão dos impactos indiretos e sinérgicos nos empreendimentos no licenciamento ambiental. Segundo o texto aprovado no Senado, estes impactos indiretos só poderiam ser atribuídos aos empreendimentos com a comprovação de nexo causal. “Isso gera uma desresponsabilização dos empreendedores e leva à oneração do Poder Público”, avaliou.

A exclusão da consulta a povos indígenas e quilombolas sobre empreendimentos que podem ser instalados em suas áreas foi outro ponto criticado na audiência. Segundo o texto, estas populações só deverão ser incluídas nos debates quando a terra indígena for homologada ou o quilombo estiver oficialmente reconhecido.

Capobianco lembrou que estes processos de reconhecimento são lentos. “É inadmissível que esses territórios sejam impactados e a população ali envolvida não possa se manifestar enquanto esse processo está em tramitação”, disse.

O Procurador da República no Distrito Federal Daniel César Avelino registrou que a exclusão da participação destas populações fere acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Outro ponto de críticas dos especialistas está nas mudanças sobre atividades em área de mata atlântica. O PL abre a possibilidade que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração possam ser suprimidas apenas com autorização municipal, dispensando análise prévia de órgãos federais ou estaduais.

‘O problema do licenciamento ambiental no Brasil é a falta de estrutura’

Na audiência pública, Rodrigo Agostinho apresentou as atribuições do Ibama e a estagnação do corpo de técnicos em relação ao aumento no número de processos sob responsabilidade da autarquia. “O Ibama produz muito, só que tanto o Ibama quanto os órgãos estaduais e órgãos municipais carecem de estrutura, de gente. O maior problema do licenciamento ambiental no Brasil é a falta de estrutura”, disse.

Ele exibiu um gráfico que aponta que, em 2010, o Ibama tinha 316 servidores, que eram responsáveis por 791 processos. Em 2025, há 297 servidores, responsáveis por 4.140 processos. “Os processos, quando entram, eles não saem. É algo que é difícil para as pessoas entenderem. Porque quando a gente licencia uma atividade, a gente vai continuar acompanhando aquela atividade para o resto da vida”, disse Agostinho. 

Ele também criticou a baixa qualidade dos projetos e dos estudos apresentados á autarquia, e avaliou que boa parte dos projetos no país está paralisada por conta de “projetos mal feitos”.

O presidente do Ibama indicou que há melhorias a caminho, com a convocação de pelo menos 100 novos servidores e uso de tecnologia e inteligência artificial para unificar cinco sistemas de licenciamento dentro da própria autarquia. “Não vai resolver, [porque] não é o sistema que faz a avaliação do impacto ambiental, mas vai dar mais transparência, mais agilidade e vai permitir que a própria sociedade e os próprios empreendedores acompanhem um pouco melhor os processos”, adiantou.