Conta de luz

Custeio da CDE pela União em dez anos poderia reduzir R$ 30 bi dos consumidores, propõe Abrace

Finanças/ Freepik
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A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace) divulgou nesta quinta-feira, 8 de agosto, documento contendo propostas para modernização do setor elétrico e para redução da conta de luz dos consumidores em até R$ 30 bilhões por ano, ao transferir a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para o orçamento da União de forma gradativa.

Em 2024, o orçamento da CDE deve chegar a R$ 37,2 bilhões, sendo R$ 35,9 bilhões custeados por cotas pagas pelos consumidores de energia elétrica. Como parte da solução, a Abrace sugere que, como o fundo setorial reúne políticas públicas do setor elétrico, seria justo custeá-la com recursos do Tesouro Nacional.

Contudo, dado o montante de recursos que devem ser absorvidos pelo orçamento, a entidade afirma “que não seria factível propor a transferência integral dos custos em um único ano” e sugere que a conta de subsídios seja custeada pelo governo durante dez anos, sendo que ao final do período o custo cairia em R$ 30 bilhões.

Outras propostas da Abrace

A associação ainda pede a vedação da concessão de descontos nas tarifas de distribuição e transmissão para os consumidores de fontes incentivadas do grupo B, caso ocorra a abertura de mercado para os consumidores de baixa tensão.

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“No caso dos consumidores de baixa tensão, são necessários mais ativos de distribuição, o que encarece a tarifa de distribuição – esta alocação é eficiente, na medida em que os que mais exigem do sistema arcam com custos maiores, enquanto os que demandam o uso de infraestrutura mais enxuta arcam com custos mais baixos. Se for permitido que os consumidores de baixa tensão tenham acesso aos descontos no fio em uma eventual abertura de mercado, espera-se uma explosão dos custos com este subsídio, custeado pela CDE”, defende a entidade.

O rateio do Encargo de Potência para Reserva de Capacidade (ERCAP), regulado pelo decreto nº 10.707/2021, também entrou na lista de sugestão. De acordo com a Abrace, a responsabilidade por definir os detalhes de como esse rateio foi atribuída à Aneel, que ainda não chegou a um resultado depois de discutir o tema em duas fases da consulta pública nº 61/2021.

Na avaliação da Abrace, é essencial que o rateio seja capaz de induzir os consumidores a modular seu consumo em sintonia com as necessidades do sistema, sendo necessário modificar o decreto para explicitar que o rateio deverá levar em conta um sinal econômico observando a granularidade e sazonalidade da demanda.

Uma outra sugestão pede a revisão dos descontos concedidos a irrigantes e aquicultores em horário especial, garantidos pela Lei nº 10.438/2002, dada a previsão de que este item alcance R$ 1,2 bilhão em 2024. Segundo a Abrace, os descontos se baseiam em um estudo da Embrapa do mesmo ano da portaria, sendo crucial “reavaliar os percentuais, revogando a portaria atual e publicando novas diretrizes em decreto”.

Abrace: Modernização do setor

A quinta proposta objetiva modernizar as tarifas de energia elétrica para os consumidores regulados atendidos em baixa tensão, corrigindo dois pontos principais, sendo que um engloba a cobrança de tarifas exclusivamente volumétricas e o outro a ausência de sinalização das condições do sistema no valor da tarifa.

Para a cobrança volumétrica, a Abrace sugere a remuneração da rede de distribuição por meio de contratação de demanda, como já acontece para consumidores do grupo A, já que com essa forma de cobrança, as tarifas conseguem atribuir a cada consumidor o custo associado à disponibilidade da rede de distribuição para a sua demanda.

Sobre a sinalização, a entidade afirma que os consumidores de baixa tensão têm hoje duas modalidades tarifárias a sua disposição:  tarifa convencional, sem distinção de tarifa ao longo do dia, e tarifa branca, que apresenta três postos distintos, com valores horários mais caros para os períodos do dia mais críticos para a distribuidora e valores mais baixos para os demais períodos.

“Em nenhuma das duas modalidades existe sinalização locacional, ou seja, para o consumidor, não faz parte das variáveis de decisão sobre onde instalar um novo ponto de consumo selecionar um local em que exista maior capacidade ociosa e que vá demandar menos investimentos da distribuidora para atendê-lo”, defende a Abrace.

Outra proposta aponta para o objetivo de reduzir os Encargos de Serviço do Sistema (ESS) gerados por despachos fora da ordem de mérito, o que pode ser aprimorado “caso os modelos de otimização passem a incorporar uma aversão ao risco adequada para prever o despacho dessas usinas que hoje estão fora do mérito”.

Também é abordada a contratação dos modelos de otimização por meio de licitação – considerando que existem diversas empresas que fornecem soluções de modelos de otimização. Essa nova diretriz permitirá reduzir os custos de manter o modelo sempre atualizado. A proposta também pede a definição de preços por mecanismo de oferta em vez de despacho centralizado por modelos.

Para isso, a Abrace entende que é necessário concluir estudo já iniciado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), além de um período obrigatório de testes de pelo menos 24 meses, de modo que seja possível avaliar qual é a melhor alternativa para o setor elétrico.

Ação imediata

Além das ações citadas,o documento de 12 páginas elenca ações imediatas, que estão em andamento principalmente no Congresso Nacional, por meio da tramitação de iniciativas legislativas e podem requerer um posicionamento do Mistério de Minas e Energia (MME) em um curto espaço de tempo.

Entre as medidas, a Abrace pede que a pasta tome medidas contra a recontratação compulsória de usinas termelétricas a carvão mineral, prevista na lei de privatização da Eletrobras (nº 14.182/2021), e que proponha veto caso qualquer projeto aprovado tenha este teor. A previsão legal é de contratação de 8 GW, o que, segundo a estimativa da entidade, geraria custos de R$ 28 bilhões a partir de 2031.

Para amenizar este impacto, a Abrace propõe a contratação pela metade (alterando para 4 GW);  uma inserção na lei de que a tentativa de contratar os montantes mencionados não precisa ser repetida caso não exista oferta nos leilões realizados; e um limite no preço teto do leilão ao praticado no leilão A-6/2019 corrigido apenas pelo IPCA, de modo a manter a coerência dos preços das térmicas contratadas.

A contratação dos 8 GW foi incluída em forma de ‘jabuti’ no projeto de lei da eólica offshore e, segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o governo tem trabalhado para que o texto seja aprovado sem as emendas que fogem do tema, mas foram incluídas durante sua tramitação na Câmara dos Deputados.

Outro ponto que a Abrace pede mobilização da pasta é contra a contratação compulsória de energia proveniente do Complexo Jorge Lacerda até 2040 na forma de energia de reserva, conforme termos da Lei nº 14.299/2022, e no subsídio a usinas a carvão pela CDE até o fim de 2027, segundo a Lei nº 10.438/2002.

A Abrace ainda defende que o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (Proinfa), criado em 2022 para aumentar a participação de fontes renováveis na produção de energia elétrica, já atingiu sua finalidade e a prorrogação compulsória desses contratos é “danosa para os consumidores”.

Conforme cálculo da associação, a continuação do programa pode gerar custos adicionais aos consumidores de R$ 27 bilhões, distribuídos no período entre 2031 e 2051.

Sete anos de discussões

Na carta, a Abrace lembra que debates sobre o assunto que vem acontecendo desde 2017, através da consulta pública nº 33 do MME, que teve suas as propostas incorporadas ao Projeto de Lei do Senado nº 232/2016, aprovado no Senado e aguardando apreciação na Câmara dos Deputados como PL 414/2021 desde agosto de 2023.

“Transcorridos alguns anos após a discussão da CP 33/17, observa-se que foram feitas diversas alterações pontuais no marco legal do setor elétrico, porém persistem distorções identificadas à época e, ainda pior, foram criadas novas ao longo dos anos”, fala a carta.

Para a entidade, é preciso dar “um passo atrás e recuperar a lógica econômica” do setor elétrico, corrigindo a formação de preços e modernizando as tarifas, remunerar adequadamente os atributos de cada um dos agentes e reduzir assimetrias entre os mercados de energia elétrica (energia convencional, incentivada, autoprodução etc.).

Modernização do MME

A reformulação do setor elétrico vem sendo abordada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, desde 2023. Em julho, ele avaliou que o PL 414/2021, que trata justamente da modernização do setor elétrico, resolvia apenas uma parte dos problemas do mercado e prometeu uma avaliação pelo MME “em até 90 dias” sobre qual seria a melhor maneira para modernizar o setor, o que incluía a possibilidade de um novo PL.

A medida, segundo ele, focaria na proteção dos consumidores, no reequilibrado do segmento e na redução da “colcha de retalhos” criada nos últimos anos, priorizando, por exemplo, a readequação dos encargos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).

Dois meses depois, durante o Brazil WindPower, Silveira voltou a citar a medida, afirmando que ela iria concatenar a postergação dos incentivos dados às renováveis com a entrega dos projetos de transmissão para seu escoamento.

Passado o prazo de 90 dias, o ministro sugeriu a criação de um grupo de trabalho para discutir “formas criativas” de reduzir a tarifa de energia elétrica dos estados brasileiros, na época a pasta estava discutindo formas de reduzir a tarifa do Amapá.

Em janeiro deste ano, uma reunião foi promovida entre Silveira e representantes de 26 associações para discutir os problemas do setor elétrico. No encontro, o ministro falou sobre os desafios do setor elétrico por cerca de uma hora, quando destacou a importância do diálogo com o setor, criticou desequilíbrios tarifários e pediu ajuda das entidades presentes para resolver problemas causados pelos altos custos da CDE e dos empréstimos setoriais por meio das contas Escassez Hídrica e Covid, contraídos em nome dos consumidores das distribuidoras nos últimos anos.

Três meses depois, uma outra reunião do ministro, com especialistas do setor e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratou dos problemas estruturais e as soluções para baratear a conta de luz.

No mesmo período, o presidente Lula da Silva assinou a Medida Provisória 1.212, com diretrizes para o pagamento dos empréstimos de R$ 11 bilhões das contas Covid e Escassez Hídrica, além de prorrogar o incentivo na tarifa de uso do sistema de transmissão (Tust) para projetos de energias renováveis no Nordeste.

Dias depois do encontro, Silveira informou que o MME planejava “medidas estruturantes” para o setor, que teriam “sinergia” com o PL 414/2021. Ele disse que o parlamento teria autonomia e voz final sobre a regulação, mas ponderou que faltava planejamento ao setor elétrico e que algumas distorções do mercado foram criadas por políticas construídas a partir do próprio Congresso.

Nesta semana, o ministro disse que o governo pretende encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de lei para reformular o setor elétrico até o final de setembro, aumentando em um mês o prazo inicial estipulado por ele. Segundo o ministro, a postergação aconteceu dada a natureza estruturante do projeto, que “enfrenta muitos interesses e tem tido polêmicas”.

O ministro disse ainda que o governo tem buscado uma convergência de ideias na proposta e voltou a criticar a forma que se deu a abertura do mercado livre de energia e a distribuição de subsídios entre este ambiente e o mercado regulado no país.