O preço acordado na aquisição da AES Brasil pela Auren prevê muitos ganhos com sinergias corporativas, incluindo otimizações em estrutura e despesas de serviços e sistemas. Em teleconferência realizada nesta quinta-feira, 16 de maio, para comentar a operação, o presidente da Auren, Fábio Zanfelice, destacou outras vantagens da incorporação da AES, como a redução da exposição do seu braço de comercialização de energia elétrica e o maior equilíbrio entre as fontes renováveis do seu portfólio.
O acordo, que vai criar uma empresa de 8,8 GW de potência e um enterprise value de R$ 30,8 bilhões, avalia a AES Brasil em cerca de R$ 7 bilhões, um prêmio de 18% em relação ao valor de fechamento das ações da companhia ontem, o que foi visto pelo mercado como uma indicação de que parte do valor do negócio está relacionado a cortes de custos e otimização do portfólio.
Segundo Zanfelice, o nível de gastos da AES Brasil com pessoas, materiais, serviços e outros (PMSO), da ordem de R$ 640 milhões por ano, “salta aos olhos”, principalmente quando comparado com o gasto de R$ 611 milhões por ano da Auren.
“Tem outros fatores que provocaram a depreciação da companhia, como questões operacionais”, disse Zanfelice. “Há um conjunto de sinergias que a consolidação das duas companhias trará ao longo do tempo, que nos deixa muito confortáveis no valor que pagamos pela companhia”, completou.
Portfólio equilibrado
O negócio também é atrativo para a Auren devido à complementariedade dos ativos de geração de energia e das oportunidades de crescimento em novos ativos renováveis. Segundo Fábio Zanfelice, a geradora vinha ao longo dos anos buscando uma oportunidade para gerar mais previsibilidade no segmento de comercialização, uma vez que a Auren comercializa mais energia do que gera, além de permitir uma redução do peso da geração solar fotovoltaica dentro do seu portfólio.
“Tamanho importa num segmento e numa indústria de capital intensivo [com alto custo operacional]. E as sinergias são o fator principal dessa transação, pela similaridade das companhias. Estávamos muito felizes com nosso portfólio, mas preocupados em relação ao crescimento, principalmente, greenfield e com a participação da solar. Hoje, a fotovoltaica é a fonte mais competitiva do mercado e, invariavelmente, será ela quem cuidará da expansão do setor elétrico brasileiro”, disse o executivo.
Zanfelice explicou que a Auren procurava formas de compensar a sua exposição em ativos solares aos preços praticados no mercado ao longo do tempo, sobretudo o preço horário. Atualmente, a Auren conta com um portifólio de 3,6 GW, sendo 58% (2,1 GW) de hidrelétricas, 27% de eólicas (1 GW) e 15% (500 MW) de solar. Com a aquisição da AES Brasil, o portfólio da empresa passará a ser formado por 54% (4,7 GW) de hídricas, 36% (3,2 GW) de eólicas e 10% (900 MW) de solares.
Menos exposição no mercado livre e sinergias
Com 8,8 GW de capacidade instalada, a Auren somará 4,1 GW médios de energia comercializada para um portfólio de mais de 1,5 mil clientes, com duração média de contratos no ambiente de contratação livre de 3,8 anos.
“Tínhamos cerca de 1,5 GW contratados de terceiros para vender aos nossos clientes. A Auren é uma geradora que tinha uma comercializadora, mas parecia que era uma comercializadora que tinha uma geradora, porque nós vendemos mais energia do que geramos. Com a aquisição da AES Brasil, nós reduzimos praticamente a 100% a nossa dependência de lastro de terceiros”, afirmou Zanfelice, destacando que nenhum dos aspectos foram considerados como valor agregado na compra.
A incorporação da AES Brasil como uma subsidiária propiciará ainda uma aceleração da utilização de créditos da Cesp, adquirida pelos atuais controladores da Auren em 2018, da ordem de R$ 800 milhões, reduzindo a carga tributária do grupo. Além disso, a compra tratará a captura de sinergias corporativas em mais de R$ 120 milhões por ano em redistribuição e custos com a estrutura corporativa, com previsão de otimizações em despesas de serviços e sistemas em todas as áreas.
Segundo Zanfelice, a renovação das concessões das hidrelétricas da AES Brasil, que vencem em 2032, não entrou no cenário da Auren.
“O que consideramos aqui foi a indenização sobre investimentos feitos ao longo da concessão. Também não consideramos renovação no regime de cotas ou mercado livre, nosso cenário básico considera o fim da concessão e recebimento da indenização. Nós vemos nessa transação uma opção de ter o ativo e estarmos bem posicionados para quando ocorrer a renovação em 2032. Seja por relicitação, cota ou mercado livre”, disse o diretor-presidente.
A incorporação do lado financeiro
A AES tem 25 ativos de geração, somando 5,2 GW de capacidade instalada, distribuídos em 2,66 GW (51%) em 12 hidrelétricas, 2,2 GW (43%) em nove eólicas e 328 MW (6%) em duas usinas fotovoltaicas, sendo que 86% do portfólio está contratado para 2024 a 2026. A companhia ainda tem uma carteira de 4 GW de eólicas e solares para serem desenvolvidas.
No primeiro trimestre do ano, a AES teve prejuízo líquido de R$ 102,4 milhões, ante um lucro de R$ 60,4 milhões obtido no mesmo período do ano passado. O resultado refletiu, entre outros fatores, a menor geração eólica dos ativos da companhia no período, aumento de despesas não recorrentes, e a piora do resultado financeiro do trimestre, que veio negativo em R$ 245,4 milhões, aumento de 69,5% em relação ao resultado financeiro do primeiro trimestre de 2023, que foi negativo em R$ 144,8 milhões.
Ao fim do trimestre, a dívida líquida da AES Brasil estava em R$ 9,2 bilhões, aumento de 24,7% na comparação anual, devido à retração de 46,2% no caixa disponível na companhia, que caiu 46,2%. O prazo médio da dívida da companhia está em 4,1 anos. Já a alavancagem medida pela relação dívida e Ebitda (sigla em inglês para lucro antes juros, impostos, depreciação e amortização) está em 5,3 vezes, acima do valor considerado como “ótimo” pela Auren, que tem uma alavancagem de 1,8 vez e uma dívida de 3,2 bilhões.
>> Veja o resultado da Auren no primeiro trimestre do ano
Segundo Zanfelice, a Auren não considera a alavancagem da AES Brasil “preocupante”, visto que o mix entre as empresas cria uma geração robusta de caixa. Além disso, a AES tem 700 MW entrando em operação neste ano e pode vender ativos. Considerando a geração de caixa combinada das duas empresas, a alavancagem pode chegar numa relação de 3 a 3,5 vezes em três anos. “É uma empresa que terá uma desalavancagem muito rápida. Como o portfólio está praticamente 100% contratado, esse Ebitda tem uma variação muito baixa em relação à variação de preço sobre a energia comercializada”, falou o executivo.
A Auren já contratou bancos para resgatar até R$ 5,4 bilhões para liquidar a operação, num cenário em que parte dos acionistas vai preferir receber em ações, mas disse que está preparada para pagar até a totalidade do valor acertado, exceto a participação de 4% da Votorantim, que já declarou que vai receber 90% do valor em ações da Auren, e apenas 10% em dinheiro.
Mesmo no cenário do maior desembolso, a Auren não considera fazer uma emissão de ações, disse Mario Bertoncini, diretor financeiro da companhia.