Empresas

TCU apresenta entraves à privatização da Eletrobras e questiona preços de longo prazo

Saulo Cruz
Saulo Cruz

A privatização da Eletrobras, que aparentava estar encaminhada após ganhar o aval do Congresso, ganhou novos obstáculos. O Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou uma série de recomendações ao Ministério de Minas e Energia (MME) relacionadas às condições da operação, incluindo novas referências para os preços de energia de longo prazo. Na prática, o tribunal quer elevar esses preços, aumentando a outorga a ser paga pela estatal à União pelos seus novos contratos de concessão.

As recomendações estão em parecer assinado pela Secretaria de Fiscalização de Infraestrutura de Energia Elétrica (Seinfra) do TCU encaminhado ao MME, ao qual a MegaWhat teve acesso. O processo no tribunal de contas será relatado pelo ministro Aroldo Ceraz, e só depois do aval do ministério de contas é que a operação poderá caminhar. Já contando com novos prazos, ontem, 18 de novembro, a estatal pela primeira vez admitiu um novo cronograma em que a privatização será feita em maio. Até então, a expectativa era fevereiro de 2022.

TCU questiona preços

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

Os preços futuros de energia são importantes na modelagem da operação, uma vez que ela se baseia na descotização da energia da Eletrobras, que vai acrescentar valor futuro às novas concessões. Será esse valor futuro que a companhia vai captar na oferta de ações na bolsa, que vai diluir a União a menos de 45% de seu capital social, configurando a privatização. Em troca dos novos contratos de energia, a Eletrobras pagará uma outorga à União, no mesmo valor que será arrecadado na operação no mercado.

CONTINUA DEPOIS DA PUBLICIDADE

O valor final das ações será definido em processo competitivo no mercado, o chamado bookbuilding, que nada mais é que a coleta de ofertas de investidores interessados em comprar as novas ações que serão emitidas pela companhia. Como se trata de uma empresa estatal, contudo, existe um valor mínimo a ser determinado, e o TCU precisa dar o aval a ele.

A energia hoje alocada no regime de cotas, com preços regulados, será “descotizada” e a Eletrobras, privatizada, terá liberdade para negociá-la no mercado livre de energia. É daí que vem o valor a ser extraído no negócio para os novos acionistas. Os contratos do mercado livre são privados e os preços não são divulgados, o que obrigou o governo a buscar uma metodologia para estimar esse preço futuro da energia.

Para estimar esse valor, assim como a outorga, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) seguiu algumas premissas colocadas pelo MME, considerando o balanço de oferta e demanda de energia, o horizonte de projeção considerando dados simulados até 2033, e a utilização da cotação do Índice de Curva Forward da plataforma Dcide mais recente.

Assim, a EPE chegou em uma curva que começa em R$ 233/MWh entre 2022 e 2025, com base no preço de referência da Dcide, até chegar a R$ 155/MWh a partir de 2028, já considerando o Custo Marginal da Expansão (CME) do PDE 2030.

Para o tribunal, os preços estão subestimados. Em sua análise, o TCU aponta que o CME é composto por dois aspectos relacionados, o CME-Energia e CME-Potência, sendo que a EPE adotou o contrato do CME-Energia, desconsiderando a componente de potência. Para justificar essa escolha, a empresa de planejamento energético explicou que, apesar de existirem estudos e debates sobre o tema, a separação de lastro e energia não está regulada, e não há previsão de seu início.

O tribunal, por sua vez, alega que após a reforma do setor elétrico, os geradores poderão vender separadamente lastro e energia, e os contratos de comercialização que serão firmados no futuro poderão vender os dois produtos separadamente. Além disso, o TCU lembrou do leilão de reserva de capacidade, previsto para 21 de dezembro, e que vai negociar pela primeira vez os produtos energia e potência de forma separada.

O próprio tribunal também afirmou que esse leilão é voltado para termelétricas. As hidrelétricas, embora tenham pleiteado, ficaram de fora do certame.

O TCU questionou ainda a escolha da EPE de utilizar, a partir de 2028, a média do CME-Energia do PDE 2030 para o período de 2028 a 2033, sendo que o preço de 2028, de R$ 110/MWh, é consideravelmente menor que o indicado em 2033, de R$ 172/MWh.

Caso o valor de 2033, de R$ 172/MWh, fosse adotado, o bônus da outorga subiria em R$ 5,3 bilhões, segundo o TCU, que considerou a escolha da EPE um erro metodológico.

Revisão das garantias físicas

Em outro trecho, o parecer do TCU também criticou a adequação das garantias físicas das hidrelétricas da Eletrobras. Os cálculos da EPE apontam uma redução de 7,3% na garantia física das usinas, ou de 973,8 MW médios.

A metodologia utilizada, contudo, não revisou parâmetros importantes como a série de vazões dos empreendimentos, usos consuntivos da água e parâmetros de aversão a risco de modelos computacionais de planejamento da operação (CVAR).

Segundo o tribunal, esses valores são de responsabilidade da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) e não foram disponibilizados a tempo de serem usados pela EPE nos seus cálculos. A expectativa é que a ANA forneça esses dados para a revisão ordinária de garantias físicas das hidrelétricas do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) que ocorrerá em 2022.

O problema disso é que as revisões ordinárias são limitadas em 5% do valor estabelecido na última revisão e, no máximo, em 10% da sua garantia física originalmente estabelecida.

Assim, se a garantia física das usinas da Eletrobras ainda estiver superdimencionada, por conta da ausência dos parâmetros necessários, eles não serão revisados de forma adequada, e as usinas poderão continuar com a sua garantia física “de papel”.

Leia mais:

Eletrobras adia previsão de privatização para até maio de 2022

Matéria bloqueada. Assine para ler!
Escolha uma opção de assinatura.