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Uma redução da vazão da hidrelétrica de Belo Monte (11.233 MW) pode levar à perda de aproximadamente 2,4 mil MW médios de energia no atendimento à ponta do sistema, e gerar um custo entre R$ 1,2 bilhão e R$ 2,4 bilhões aos consumidores. O cálculo foi apresentado pelo diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Sandoval Feitosa, durante reunião ordinária de diretoria desta terça-feira, 18 de fevereiro, considerando a determinação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Segundo o diretor-geral, o valor tem como base o custo de uma térmica marginal para atendimento à ponta, com variação entre R$ 500 a R$ 1.000/MWh. A decisão também foi alvo de críticas do ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira, em coletiva de imprensa na manhã desta terça.
O Ibama encaminhou a determinação de “cuidado” na vazão da usina para a Norte Energia, dona do ativo, à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) no último fim de semana. No documento, o órgão ambiental destacou que a interrupção da operação no bipolo de Belo Monte causou uma alteração não prevista na vazão no Trecho de Vazão Reduzida do Rio Xingu. Com essa interrupção, houve aumento da vazão nesse trecho do Xingu e os peixes conseguiram fazer a piracema dos peixes (reprodução com desova) com sucesso.
Em nota enviada à MegaWhat, o Ibama destacou que solicitou que, nas próximas semanas, as manobras sejam feitas com cuidado, sem a retirada da água de forma abrupta, para que os peixes possam ser preservados. Além disso, destacou que, “na região, está chovendo muito e, até o momento, não houve redução alguma na geração de energia”.
Para Feitosa, a decisão do Ibama gera “preocupação” além dos custos aos consumidores, pois pode levar a impactos na navegabilidade, em não observância do hidrograma da usina e refletir no descumprimento dos termos da outorga junto à ANA.
Críticas do MME
Em coletiva realizada depois da reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) nesta terça-feira, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, criticou a decisão devido ao custo aos consumidores com o acionamento das térmicas. Silveira também criticou o reservatório a fio d’água da usina, que tem custo médio de R$ 200/MWh.
Para garantir o atendimento suprido por Belo Monte, o ministro citou o despacho de térmicas a óleo diesel no Nordeste como exemplo, devido a necessidade de atendimento rápido ao sistema (ramp-up).
“Ficamos quase 30 dias com vazão reduzida por falta de transmissão. Restabelecemos a torre e, naturalmente, tem que restabelecer a produção de energia para todo o Brasil. Eu vou restringir Belo Monte por causa da Volta [Grande] do Xingu, sendo que não autorizou já lá atrás a fazer com reservatório, ficando a fio d’água? Agora, vou ligar uma térmica a óleo lá no Nordeste. Está resolvendo o problema do meio ambiente e vamos deixar de pagar R$ 200 para pagar cerca de R$ 800 [MWh]”, afirmou o ministro.
Os reservatórios a fio d’água não têm grande capacidade de armazenamento e utilizam a água que passa pelas turbinas para gerar energia. Com isso, mantêm o curso natural do rio, sem grandes variações.
Problema no Bipolo de Belo Monte
Duas ocorrências de desligamento de equipamentos foram constatadas na noite de 22 de janeiro e levaram à indisponibilidade da linha de transmissão 800 kV Xingu -Terminal Rio C1 e C2, com 2,5 mil quilômetros entre os estados do Pará e Rio de Janeiro.
No total, a State Grid, responsável pela linha, contabilizou sete torres avariadas, sendo quatro caídas. As avarias foram constatadas na região do município de Anapu, distante 50 quilômetros da cidade.
Em 13 de fevereiro, a empresa informou o retorno da operação. Originalmente, a expectativa de retorno do linhão do Xingu era 2 de fevereiro, mas conforme histórico de acompanhamento das obras, técnicos da State Grid relataram postergações por “condições climáticas adversas que impediram a continuação do serviço.
Segundo o ONS, a indisponibilidade reduziu em 4 GW a capacidade de transmissão a partir da subestação Xingu, bem como os limites de transferência de energia do Norte e do Nordeste para o Sudeste.
O problema na linha também contribuiu de forma significativa para aumento do curtailment por razão elétrica, quando há restrição da capacidade de escoamento de energia pela rede por problemas na transmissão, de acordo com analistas do Itaú BBA.
Veja na íntegra o ofício do Ibama:
“A queda da Linha de Transmissão Xingu – Terminal Rio, em 22 de janeiro de 2025, ocasionou uma alteração não prevista na vazão no trecho de vazão reduzida [TVR] do Rio Xingu, cuja variação abrupta do nível da água ocasionou impactos à ictiofauna [conjunto de peixes] e sua reprodução.
Esta constatação foi feita pela equipe de técnicos do Ibama que estava em vistoria na área da Volta Grande do Xingu naquele momento, por meio dos relatos dos ribeirinhos e indígenas da região, bem como é apontada por nota técnica elaborada pela equipe de assessoramento técnico do MPF [Ministério Público Federal] e encaminhada ao Ibama.
Considerando a retomada de transmissão de energia elétrica com a solução do problema da referida linha de transmissão, em 13 de fevereiro, apontamos que a descida abrupta do nível da água e o rebaixamento do nível durante o período do defeso, que se estende de 15 de novembro de 2024 a 15 de março de 2025, pode ocasionar novos eventos de perda de desovas e alevinos nas piracemas localizadas no TVR, gerando um efeito deletério na reprodução de peixes da região, com consequências socioambientais relacionadas à pesca e segurança alimentar das populações que ali habitam.
Desta forma, determino que a Norte Energia mantenha o nível da água atual no TVR até o final do período de defeso e, além disso, evite o rebaixamento abrupto da vazão após esse período de forma a impedir novos danos socioambientais. Conforme previsto, essa ação deverá ser acompanhada por equipes de resgate de icSofauna, bem como deve ser ampliado o esforço de comunicação das ações para a população da região da Volta Grande do Xingu”.