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Bradesco BBI alerta para risco de submercado e prevê crise em renováveis no Nordeste

UFV Bom Jesus da Lapa
Empresas donas de geração solar fotovoltaica no Nordeste que não tenham contratado hedge estão expostas ao risco de submercado, segundo Bradesco BBI

A disparada do PLD dos submercados Sudeste/Centro-Oeste e Sul e o descolamento prolongado em relação aos preços no Norte e Nordeste já representa o maior problema do setor elétrico brasileiro desde o início do debate sobre curtailment, no terceiro trimestre de 2023, segundo o Bradesco BBI. Entre as empresas que o banco analisa de perto, os destaques negativos são Cemig e Engie, ambas com recomendação de venda para as ações, pessimismo explicado em parte pelo aumento dos riscos ligados à volatilidade dos preços de energia.

A diferença de preços entre os submercados

Desde o início de março, o PLD do Norte e Nordeste continuou no piso de R$ 58,60/MWh, mas os preços no Sul e Sudeste/Centro-Oeste tem superado R$ 400/MWh. A diferença de preços entre os submercados já apareceu antes, mas nunca nessa proporção e por tanto tempo.

Na liquidação dos contratos de energia, o vendedor recebe o PLD do submercado em que produziu a energia, e paga o preço spot do submercado em que vendeu. Um gerador que tenha o ativo localizado no Nordeste e venda sua energia no Sudeste, onde se encontra o consumidor, terá a exposição equivalente à diferença dos preços, superior a R$ 300/MWh.

Em relatório enviado a clientes, os analistas do Bradesco BBI Francisco Navarrete, João Fagundes e André Silveira usam um exemplo hipotético para ilustrar os efeitos que o cenário atual pode ter nos geradores. Em apenas em uma semana, considerando uma diferença de preços entre os submercados de R$ 350/MWh, um gerador renovável localizado no Nordeste que tenha vendido 100 MW médios no Sudeste vai sofrer impacto de R$ 6 milhões, aproximadamente.

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A receita dos contratos, por sua vez, deve girar em torno de R$ 3 milhões, considerando um preço médio de venda de energia de R$ 180/MWh. “Em apenas sete dias, a despesa inesperada de R$ 6 milhões vai ter consumido 6% do seu Ebitda anual”, afirmou o banco, se referindo ao exemplo.

O banco alerta que dependendo dos preços dos contratos de venda de energia, um aumento da diferença de preços entre os submercados pode em semanas destruir uma quantia significativa de valor das renováveis localizadas no Nordeste, em alguns casos levando a “near-extinction events” – termo em inglês usado frequentemente em contextos científicos para descrever momentos em que a maioria das espécies foi extinta, e neste caso sugerindo a possibilidade de falência de algumas empresas.

Quem paga e quem ganha

Geradores das fontes eólica e solar localizados no Nordeste com contratos de venda de energia com consumidores no Sudeste e sem contratação de hedge devem sofrer um impacto negativo relevante, especialmente os que já sofrem com curtailment.

Indústrias localizadas no Sudeste e Sul que tenham contratado a energia no Nordeste na modalidade de autoprodução também devem ser afetadas, ainda que com menor proporção em relação ao fluxo de caixa quando comparadas com os geradores.

Já empresas com geração no Sudeste e Sul, principalmente hidrelétricas descontratadas, sairão ganhando, segundo a análise do Bradesco BBI, uma vez que o cenário contribui com o aumento dos preços de energia no longo prazo.

Piora da Cemig e cenário ruim para Engie

Entre as empresas da cobertura do Bradesco BBI, a Cemig pode ter problemas maiores, por ter uma exposição líquida de cerca de 800 MW médios em geração no Nordeste contratada no Sudeste, provavelmente sem hedge, segundo o banco.

Considerando que nas últimas três semanas a diferença entre os preços spot do Nordeste e do Sudeste foi de R$ 285/MWh, em média, a empresa pode perder R$ 100 milhões em Ebitda (sigla em inglês para geração antes de juros, impostos, depreciação e amortização), equivalente a 7% do lucro líquido estimado para o primeiro trimestre de 2025. O Bradesco BBI rebaixou a recomendação das ações da Cemig de neutra para venda, e reduziu o preço-alvo das ações preferenciais de R$ 12 para R$ 11.

O banco não alterou o preço-alvo da Engie, que já tem recomendação de venda, mas destacou no relatório que a empresa está exposta ao risco, por ter 1,4 GW médio de geração no Nordeste, com uma parcela importante vendida no Sudeste, ainda que não se saiba a magnitude. “A agilidade da Engie no trading sugere que eles devem ter mitigado uma porção significativa do risco”, escreveram os analistas.

Também não há uma sinalização sobre os impactos na Auren, que também tem portfólio de geração no Nordeste com exposição ao risco de submercados pela venda no Sudeste.

A expertise da mesa de comercialização de energia da empresa, segundo o Bradesco BBI, indica que medidas para mitigação devem ter sido tomadas. Como o endividamento da Auren está muito alto após a aquisição da AES Brasil ano passado, os analistas alertaram para a necessidade de acompanhar os próximos passos, considerando que há hoje pouco espaço para absorção de uma redução na receita.