Opinião da Comunidade

Marco Delgado escreve: O setor elétrico no divã

Marco Delgado escreve: O setor elétrico no divã

Por Marco Delgado

A corrente filosófica do existencialismo tornou-se mais conhecida a partir das publicações do filósofo francês Jean-Paul Sartre no final da primeira metade do século passado, tendo como máxima: “a existência precede a essência”. Em apertada síntese, essa concepção reconhece que os seres humanos não têm funções pré-estabelecidas que justificam sua existência, diferentemente dos objetos e artefatos, como um martelo, que existe para facilitar a crava de pregos. Por outro lado, o indivíduo pode experimentar vivências buscando seu próprio conhecimento, escolhendo suas opções sociais, políticas, espirituais, culturais e relacionais, ou, simplesmente, viver a vida. Para tanto, pode exercer sua liberdade individual até os limites de outrem que também têm os mesmos direitos de escolha. A alvorada do existencialismo, porém, surge das reflexões do pensador dinamarquês Søren Kierkegaard, no início do século XIX. Esse escritor, de ideias avançadas para seu tempo e de sensibilidade sagaz, argumentou que a liberdade não se constituiria somente por uma concepção abstrata, mas se realizaria quando os indivíduos assumissem as responsabilidades de suas escolhas e, consequentemente, as respectivas angústias.

O Setor Elétrico Brasileiro, em certa forma, passa por algo próximo dessa “crise existencial”. Está motivado quando deseja e instrui ações para a abertura do mercado livre de energia, mas sente-se angustiado por ainda buscar formas de alocar adequadamente riscos e custos entre os agentes e os ambientes de comercialização de energia. Entre essas inquietudes, talvez as mais emblemáticas sejam: Qual o arranjo técnico e econômico mais eficaz para garantir a confiabilidade e a adequabilidade do suprimento de energia, que é um bem público de interesse de todos os consumidores, de ambos os ambientes de comercialização? Como operar os sistemas elétricos combinando eficientemente os benefícios ambientais das fontes renováveis e dos recursos energéticos distribuídos com as limitações dos seus respectivos atributos funcionais? Quando realizar uma comunicação responsável, fundamentada e clara para que a sociedade saiba que diversas políticas públicas meritórias de isenções e subsídios tarifários já cumpriram sua missão e, por isso, podem seguir, sem riscos de retrocessos, para conteúdo dos livros de história com louvores e honrarias?

Se a angústia, segundo Kierkegaad, é a vertigem da liberdade, podemos contextualizar ao Setor Elétrico Brasileiro que a retidão na alocação de custos e riscos é o conjunto de alambrados que tornará o percurso seguro para que o mercado livre de energia e os recursos energéticos distribuídos competitivos possam trazer efetivamente o que se espera: mais diversidade e inovação nos modelos de negócios. Dessa forma, propiciar progresso social e econômico para nossa sociedade, harmonizado com a preservação ambiental do nosso planeta.

Marco Delgado é conselheiro de administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Antes, foi diretor da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) e consultor do Instituto Nacional de Tecnologia para projetos de eficiência energética na indústria.

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