Por Guilherme Dantas e Pedro Vardiero
O artigo “Liberalização dos Mercados Varejistas em um Contexto de Descentralização dos Sistemas Elétricos”, publicado nesta plataforma na semana passada, abordou a problemática de se compatibilizar as lógicas da liberalização com a da descentralização dos sistemas elétricos.
No entanto, se esta começa a ser uma discussão relevante em jurisdições que já avançaram na abertura dos mercados de baixa tensão, ainda é uma temática distante da realidade brasileira, onde até os dias atuais não ocorreu a liberalização dos mercados varejistas.
No âmbito da agenda de modernização do setor elétrico brasileiro, atualmente em curso, a abertura dos mercados varejistas consiste em uma das diretrizes centrais. Em conjunto com a separação entre as atividades de provimento do serviço de distribuição e de comercialização de energia elétrica, é inegável que se trata de uma medida extremamente desejável.
A liberalização do Grupo B, formada pelas unidades consumidoras da Baixa Tensão, deve ocorrer alinhada com outras iniciativas da reforma do setor elétrico brasileiro. Nestes termos, a separação entre lastro e energia, associada à problemática da garantia da expansão da oferta, o tratamento dos contratos legados e os avanços em termos de estrutura tarifária são exemplos de temáticas importantes a serem consideradas.
Concomitantemente, é preciso definir os contornos dos mercados varejistas a serem implementados. Uma possível configuração consiste em um modelo onde os comercializadores livres são responsáveis pelo faturamento, as distribuidoras permanecem sendo responsáveis pela medição, existe a figura de um comercializador regulado para o atendimento de consumidores de baixa renda e não é possível o retorno para o mercado regulado após a migração para o ambiente livre. Entretanto, é preciso enfatizar que existem desenhos alternativos aptos a serem implementados.
Ademais, independente do modelo escolhido, é necessário que se adotem medidas que efetivamente viabilizem a competição nos mercados de baixa tensão. A partir das experiências internacionais, isso aponta para a necessidade de se coibir o poder de mercado das incumbentes tradicionais e, sobretudo, de incitar o engajamento dos consumidores através da disponibilização de ferramentas de comparação das ofertas e da difusão de medidores avançados.
Todavia, o status quo da abertura do Grupo B é contrastante com a liberdade que os consumidores varejistas já possuem, desde 2012, de atenderem a sua demanda a partir de sistemas de geração distribuída. Em paralelo, embora os resultados de programas de gerenciamento da demanda ainda sejam bastante limitados, é razoável supor que medidas nesta direção também irão ser relevantes ao longo dos próximos anos, incluindo o segmento de baixa tensão. Além disso, prospecta-se que o sistema elétrico brasileiro, no médio prazo, também deve apresentar a difusão de sistemas de armazenamento distribuídos.
Logo, além de a adoção de medidas que permitam a liberalização dos mercados de baixa tensão no Brasil ser efetiva e capaz de gerar benefícios para os consumidores finais, é preciso considerar as relações entre a abertura dos mercados com a descentralização dos sistemas elétricos brasileiros.
Ressalta-se que isso não significa estabelecer um arcabouço regulatório que engesse tanto a liberalização dos mercados quanto a dinâmica de difusão dos recursos energéticos distribuídos. O que se defende aqui é a busca de uma visão de longo prazo que estabeleça objetivos bem definidos e, dessa forma, permita que as diferentes agendas regulatórias ocorram de forma coordenada.
Em alguma medida, a agenda regulatória da Aneel, ao contemplar a necessidade de avanços regulatórios compatíveis com os recursos energéticos distribuídos, já vai nessa direção. Entretanto, reitera-se a necessidade da análise das interdependências existentes entre os processos de liberalização dos mercados de baixa tensão e de descentralização dos sistemas elétricos.
Guilherme Dantas e Pedro Vardiero são sócio-diretores da Essenz Soluções.
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